sábado, 27 de dezembro de 2008

Rascunho

"Ah a inveja. A dor de desejar aquilo que os outros possuem. Aquela sensação de vazio perante o volume exacerbado do restante, a ausência da paz reconfortante de agarrar com unhas e dentes seu sonho transformado em realidade. A carência de elogios e sorrisos e olhares e motivos e carinhos e amores e sabores e cores e ventos e vidas. O motivo de tantos olhares curvos e palavras mudas e lágrimas trancadas. E a promessa. A tal que de tempos em tempo volta, e vai, e é adiada de novo. E que depois de tantas desculpas cai em meio ao vão. Mas não é aquela inveja raivosa, não, senhores! Não desejo, como muitos, a dor, o sofrimento, daqueles que têm tudo o que quero para mim, de maneira alguma. Apenas os invejo, com o olhar triste de quem espera, com a dor no coração de quem fica para trás. De quem é largado, abandonado. Como um amante que vê sua amada lhe ser roubada por seu melhor amigo, que lhe provoca um ciúme doentio e rancoroso. Ah o ciúme. Sentimento tão vil quanto todos os outros que carregamos dentro de nós. Só não tanto quanto o amor. Esse sim, é maldoso, vingativo. Transforma-nos em meros cretinos e esperançosos, loucos, absurdos, sonhadores. O amor, senhores, escolhe. Seleciona a dedo aqueles que o merecem, aqueles que são dignos de o terem. E ai voltamos à nossa amiga inveja e seu irmão, o ciúme. Um cara grande, forte, dominador: daqueles fugitivos da justiça, que se escondem no quarto mais profundo da nossa alma e que, quando saem de lá, só fazem desgraças. Só fazem desunir e brigar. Esquecer não. Esse aí faz questão absoluta de criar em nós um rancor tão grande, quase ódio, nos veda os olhos, nos perfura a alma e crava no nosso ser todas aquelas malditas lembranças que quanto mais lavamos e esfregamos, mas fortes e sujas ficam. Como molho vermelho numa camisa branca. Como gordura no fundo d'uma panela velha. Eis tudo o que me preenche hoje, senhores: inveja, promessas, ciúme... e amor. Todos desgraçados a ponto de me enlouquecerem. Me entorpecem de tal forma que as vezes me pego acreditando neles. Na fraqueza de uns e na imortalidade de outros. Naquela força avassaladora do brilho nos olhos, na lágrima, no sorriso de esperança, que -dizem- é a última que morre. Pois saibam que, se cada um tem a sua, a minha me abandonou. Ou não, pois na verdade sou tão cretino quanto vocês. Daqueles que passam a noite em claro, acreditando nas asneiras que lhe contam. Ou lhe prometem. Um tolo, sempre sentado na varanda, olhando pra estrada que-leva-pra-lugar-nenhum que passa em frente, olhando, esperando, torcendo pra que venha, pra que volte. Quem sabe um dia meu olhos não terão o prazer e meu coração a felicidade de te ver surgir no horizonte. Minha amada, minha vida, meu tesouro. Ah, mas deixe pra lá. Não vou atormentá-los com os devaneios d'um homem apaixonado. Realmente, simples devaneios. O sonho, a saudade. Só a necessidade da pureza daquele ser. O corpo pequeno, frágil. As mãos suaves como plumas e as bochechas rosadas e macias. Aquele sorriso. Ah, que belo sorriso que ela me dava nas manhãs daquele outono! Seus olhos castanhos, lembro-me, brilharam quando disse que a amava, quando lhe dei o presente de aniversário, quando a mimava com poemas e canções e pequenos doces que comprava naquela bela loja que admirávamos de vez em quando. Olhos estes que, tristes, se esverdearam com as poucas lágrimas que ela derramou quando me deu o adeus. Foi sincera em tudo. Nas palavras, nos toques. Senti isso. E sou obrigado a admitir. Foi sincera quando disse que não me amava mais. Quando assumiu sua dor no coração em me deixar. Eu era um cão. Abandonado, agora. Um pobre coitado que perdera tudo o que tinha. Inclusive os sentidos, a vontade, meu chão. Perdi a respiração, literalmente, e passei mal várias horas após sua partida. E jurei. Jurei pra mim, pras árvores, pro vento, pra Deus, que a esperaria. E cá estou. Não sei se se passaram apenas três semanas, seis meses, se foram anos... Ah, mas não vou entediá-los com as dores desse mal amado infeliz. Nem chateá-los com minha tristeza. Já não faz mais sentido lhes contar-lhes minha história. Ela, francamente, não interessará a muitos. Nem me renderá fama ou fortuna. Nem eu os quereria. Talvez diminuisse minha saudade. Ou só aumentasse minha loucura. Quem sabe? ~~> Rascunho de Jaqueline D. Rosa ~~> Escrito num momento de profunda raiva, inveja, ciúme, promessas, saudade, tristeza e amor. ~~> Nada mais a declarar, a não ser o fato de que li e gostei. Talvez vire alguma coisa. Um livro, talvez. ~~> Beeijoos, Jaqueline.

4 comentários:

Eline Emanoeli disse...

Uiiiii.
É, baixou um Álvares de Azevedo aí, hein, Jaque!
huehuehueheuhe

Dorei o texto, miga.
É uma performance que não me pertence, infelizmente, e que admiro muito!

Bjaum.

Unknown disse...

noss.....q vc escreve bem eu sempre soube!!
só numca tinha visto tanto sentimento assim em você...raiva, inveja, ciúme, promessas, saudade, tristeza e amor...meu deus...de onde vem tudo isso??
...Por que tanta raiva??
O que te causa tanta inveja??
Quem lhe dá tanto ciúme??
Quem lhe fez promessas??
Por que sente saudades??
e a tristeza, de onde vem??
Ah...e o amor??...quem tanto amor assim lhe causa??
...Essas são algumas dúvidas que me ficaram depois de ler seu belo texto. Creio eu, que não terei respostas pra maioria das perguntas. No entanto, acredite você ou não, tenho exatamente os mesmos sentimentos que você. No mesmo dia, na mesma hora.
Faço minhas suas palavras!

Depois de ler e sentir tudo o que você também sentira, só posso ficar admirado, pois apesar do tempo, da distância, das diferenças que nos separam - mesmo que momentaneamente - conseguimos sentir o mesmo e quase que simultaneamente!
Deve ser por isso que confio tanto em você, deve ser por isso que apesar de todas as dificuldades é você minha melhor amiga, minha psicóloga, minha cúmplice, minha confidente!

Vou repetir, vou reescrever e terminar como sempre: -apesar de nunca contar-
1000000000..............Beijos!
AMO MUITO VOCÊ!

...Um dia, quem sabe, eu irei contar!

Eliel Carvalho disse...

Jaque...

A úcoisa que tenho a dizer é que o seu talento literário só tem aumentado...

Eu me orgulho de ter uma amiga como você... sempre pronta a ajudar.

Espero um dia estar lendo mais coisas escritas por você... de preferência um livro...

Bjaum e continua a escrever, não com as mãos, mas com seu coração.

Julis disse...

amei seu texto e a inveja amiga é uma grande fraqueza de pessoas que não tem a capacidade de serem felizes... já dizia a máxima: "não grite alto a sua felicidade, a inveja tem sono leve"