terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

carne com batata


Um dia, escrevi um texto chamado Amálgama, pra dizer que somos feitos da mistura de muitas coisas e pessoas com as quais nos deparamos no decorrer das nossas vidas. Um textinho que tem um lugar no meu coração e que foi parar até em um livro - o Devaneios Atemporais.

O que não me atendei a comentar, na época, é que essa mistura nunca fica pronta e nem vai pro forno. Ela descansa, como massa de pão que precisa crescer. E fica ali num eterno sova, descansa, sova descansa... Nunca estamos prontos. Nunca nos acabamos. Nunca somos os mesmos.

É o que o Cortella diz em uma palestra: "não nascemos prontos e vamos nos gastando (até morrer), mas sim nascemos não-prontos e vamos nos fazendo (até o fim da vida sem nunca estarmos prontos)".

E estou dizendo isso porque ontem me peguei em casa às cinco da tarde, picando batatas. Sim. Piquei batatas em quadrados miúdos porque fui tomada de uma necessidade - uma vontade, um desejo, uma saudade - de carne moída com batatas. Nem sei dizer onde comi, principalmente por se tratar de um prato tão comum - mas definitivamente não foi na casa da minha mãe, já que ela teria trocado as batatas por um quilo de cheiro verde e eu provavelmente eu não teria comido. 

Não sei o que me deu. Só sei que na minha cabeça essa era uma comida de acalentar o coração. De dar um abracinho na alma. Talvez nem seja, necessariamente, uma memória. Mas um pedido do corpo e da alma por uma comida de verdade, dessas que alimentam de calor e cheiro. Uma comida de 'to aqui, cuidando de você', igual sopa quando estamos doentes. 

Enquanto fazia a janta, picava batatas e cebolas e descongelava a carne, fiquei pensando nessa nova amálgama. Quando foi que virei essa pessoa - que sai de casa de manhã com a louça lavada, a sala varrida, a roupa lavada, a planta molhada, o gato comido, a cama feita e que, quando volta, sente desejo de carne moída com batatinhas? 

Quando foi que virei a pessoa que preza por cada um dos minutos dentro de casa? Que recusa vento na cara ao som do batuque carnavalesco e pensa na gripe e no sofá. Não que isso seja, necessariamente, ruim... Não que isso seja, necessariamente, bom. Mas é. Só é.

Virei uma pessoa que ao invés de comemorar o início de um novo ciclo, lamenta. Ao invés de suspirar aliviada, se frustra. Uma pessoa que só quer sair se tiver lugar pra sentar, sabe?

Pode ser só o mercúrio retrógrado, é verdade. Mas acho que algo em mim vem mudando nos últimos tempos... Ando me tornando mais uma pessoa que quer criar e cuidar das raízes que uma pessoa que quer ganhar o mundo. Entende?



É... às vezes nem eu.