quarta-feira, 5 de abril de 2023

coração partido à machadadas


À machadadas, partiram os corações das mães de um país. 

Mas mais que isso: partiram os corações e de lá arrancaram lágrimas de despedida da esperança.

Arrebentaram com os fios que mantinham ligado o brilho nos olhos daquelas que levantam, todas as manhãs, exaustas, mas com um sorriso no rosto, prontas para acordarem seus bebês e os conduzirem num novo dia, repleto de possibilidades e aprendizados.

Destruíram sem piedade nossa ilusão de que nossos filhos, sob nossas asas, olhos ou decisões, estão protegidos. 

Estouraram nossa bolha onde a infância é feliz e intocada, lúdica, inocente, admirada...

A dor do peito espalhou pro corpo. A garganta arde pelo grito não dado, os olhos querem dormir e esquecer que o mundo é todo quebrado. As pernas bambeiam e querem ir em busca daquele que - nesse momento - eu gostaria de engolir e colocar de volta na minha barriga...

Choro. Me distancio das notícias, enquanto recolho cacos de uma alma machucada pela dureza da vida.

Falta muito amor no mundo... Faltam palavras pra descrever essa sandice... 

Sobra o vazio.

Sobra a impotência. A dor da realidade que nos estapeia a cara, afirmando que não temos o controle de absolutamente nada. Nem mesmo sobre aqueles a quem amamos mais profundamente...

terça-feira, 22 de novembro de 2022

mesmo que pareça absurdo

Logo eu, uma bocuda de nascença, fui me silenciando ao longo dos anos. Ninguém acredita: afinal, eu falo muito. Mas o fato é que eu penso muito mais do que falo de fato. 

Repara bem no que eu não digo: há anos venho exercitando esse equilíbrio entre o ouvir e o falar. E pra mim, após tantas brigas, tantas confusões em que entrei por não conseguir fechar a boca, a assertividade na fala tem sido o objetivo de uma dura busca. Falar o que preciso, da forma correta, no momento preciso. Quer busca mais subjetiva?

Aí, na maior parte das vezes eu apenas calo. Guardo pra mim esse amontoado de palavras e deixo lá, empoeirando. Não é a toa que tô com o chakra da garganta entupido de tantos nódulos rs aí, volto pra busca: cantar, falar, me posicionar, discordar.

A minha criança interior se contorce a cada vez que eu discordo de alguém. A cada vez que digo: isso está errado; isso não é justo; não gostei do que você fez/falou. Porque em algum lugar da minha história eu aprendi que as pessoas se magoam e que 'eu não podia' fazer isso com elas. Uma insegurança e uma sensação de 'o que você está falando/mostrando não importa' se instaurou em algum lugar do meu coração em algum momento e, sem que eu percebesse, ficou. Então eu passei anos fazendo o que achava que as pessoas queriam que eu fizesse. Passei anos sem dizer não para eventos e relacionamentos que eu não queria tanto assim. Me coloquei em situações de liderança de projetos que, talvez, no fundo no fundo, eu nem quisesse liderar. Me expus publicamente, a troco de 331 votos de confiança - o meu, inclusive - porque, afinal de contas, tinham pedido pra que eu o fizesse.

Claro que cada uma dessas situações foi me ensinando. Aliás: claro que eu fui aprendendo com cada uma dessas situações (não vamos tirar meu mérito aqui - tem situações que ensinam e, mesmo assim, tem gente que não aprende!)

O fato é que, após anos, voltei a ser bocuda.

Passei por um outubro dificílimo de me calar. Mercúrio em escorpião ou não sei o quê, mas foi assim: falei, falei, falei, falei. Sem filtros, muitas vezes. Sem pesar as consequências, em algumas. Noutras, pesando e escolhendo falar, mesmo assim. 

Algumas situações nos pedem calmaria. Um voo leve de uma borboleta e um pouso suave, quase que imperceptível. Noutras, é necessário uma manada de búfalos selvagens, descontrolada, que passa por cima de tudo e todos pra sair incólume do outro lado. Eu ainda sigo aprendendo a diferenciar uma da outra. E buscando compreender que entre a borboleta e o búfalo existe uma infinidade de animais. 

Mas... 

Num momento em que me questionei se fiz bem em falar, veio a espiritualidade e me deu a resposta: fale o que você pensa, mesmo que pareça absurdo. Fale o que você acredita. Fale. "Muitas pessoas se aproximam de você apenas para ouvir o que você tem a dizer. E falando você ajuda essas pessoas  e você mesma" - foi o que me disseram.

Então, me acalmei. E tornei a falar.

E falei, falei, falei, falei... 

Sigo na busca, pois ela não acaba. Mas a principal parte dessa busca não tem mais a ver com agradar ou desagradar o outro, mas sim com ser honesta comigo mesma. Falar a minha verdade, ser fiel ao meu próprio caminho e meu próprio coração. 

No fim das contas, somos nós que nos aturaremos o resto da vida: com nossos arrependimentos por não ter falado, não ter feito, não ter ido embora, não ter colocado limites, não nos termos protegido ou cuidado. Então: foco.

Fale sua verdade. Mesmo que comece esse processo a dizendo apenas para você mesmo.







segunda-feira, 7 de junho de 2021

tic tac


O tic tac do relógio que comprei para a cozinha ecoa pela casa. É incrível como o silêncio amplifica as pequenas questões. Está tudo escuro, a não ser pela luz da tv, que há muito nao ligamos. Da sala, além do relógio, ouço as respirações daqueles que dormem, principalmente do marido e de um dos gatos.

Fecho os olhos e respiro fundo. O sono até vem. O cansaço me dói as pernas e braços e músculos vários. Mas quando fecho os olhos, fico esperando meu bebê acordar. Ele gosta de fazer isso quando estou prestes a pegar no sono. Só hoje, já acordou mais de cinco vezes  nas últimas três horas. Quem dorme, desse jeito? Se bem que acordar não é a palavra exata pra um bebe dormindo e sonhando e se debatendo e chorando que só acalma no colo, no peito, no cheiro de mãe. Na última, o ninei sentada, ele escorregando do meu peito para o meio das minhas pernas. Quase 70 cm de criança. Um bebê robusto, pesado, que me pesava o braco esquerdo. Ele mamou e dormiu. Antes de suspirar, dava sorrisinhos, acalmando sua expressao no sono. Uma imagem que fotografei com os olhos pra nunca esquecer...

Entre o tic tac do relógio e o ronco dos que dormem, sigo. Pensando na vida, nas contas, nas brigas, nos próximos capítulos. Tentando dormir. Tendo sede. Não conseguindo...

quarta-feira, 28 de abril de 2021

Uma terça-feira qualquer


Acordamos, fiz café, conversamos, troquei o bebê, lavei o rosto dele, dei vitamina, limpei o nariz. Brincamos no chão, cantamos, tummy time. Chorou. Mamou de novo. Colo. Dormiu.

Tirei a carne do congelador, pus a roupa pra lavar. Pendurei os tapetes no sol. Dei banho nos três gatos, tomei banho. Limpei o sofá, dei aquela geral no banheiro.

Bebê acordou mas tá de boa. Pendurei as roupas no varal. Metade. Aí fui ver o bebê resmungando, com um shorts ainda na mão.



Voltei e terminei de pendurar. Peguei o bebê. Troquei o bebê, brincamos com a tartaruga e com o barulho do pacote de lenço umidecido vazio e rimos do vento.

Pus ele no berço, sob grande reclamação, pra por mais uma máquina de roupa pra bater rs voltei, amamentei. Cantamos a música da velha a fiar e do peixe vivo, fomos pra sala e coloquei ele na cadeirinha que tem o leão e o elefante que ele adora. Passei aspirador de pó na casa enquanto ele estava zen e fui pra cozinha temperar a carne, cortar e grelhar. Esquentei o arroz, me servi da salada de grão de bico de ontem. Neném chorou. Fiz meu prato e voltei. Parou de chorar. Comecei a almoçar. Dado momento, ele chorava me pedindo colo. Eu batucava com o garfo no prato e ele ria. Parava pra comer, ele chorava. E assim foi até eu conseguir terminar. Batuque, risada. Garfada, choro. Peguei no colo, andei pela casa, tirei o body pq achei que ele tava suado. Olhei a fralda e tava suja. Troquei a fralda, rimos juntos do tamanho da fralda anterior. Colo. Fui amamentar, o prato ficou no sofá. Ele mamou, riu de quando abanei ele com uma foto do meu casamento. Mamou, mamou e dormiu. Eu voltei pra sala. Recolhi o prato, pus na pia. Pensei em lavar louça, mas lembrei da outra leva de roupas lavadas. Estendi a roupa.

E agora? Louça ou café? Café!

Lembrei que era dia de pagar contas. Paguei quatro boletos e lembrei que tinha que baixar os informes de rendimentos pro imposto de renda. Fui pro computador. Liguei, abri as páginas dos bancos. Bebê acordou. Amamentei, bebê dormiu. Voltei pro computador, bebê acordou. Troquei a fralda, rimos do tamanho da fralda suja, peguei no colo, pus na cadeirinha. Enquanto baixava o primeiro PDF, ele chorou. Cantamos a música da feira, a música da ciranda dos bichos, mesmo assim ele chorou. Comecei a batucar na mesa e ele riu. E assim foi. Batuque, risada, mexe no computador, choro. Batuque, risada...

O choro aumentou copiosamente. Peguei no colo, larguei o computador, amamentei. Parou de chorar mas não dormiu. 

Abanei o gordinho, cantei a música dos dez indiozinhos... E aprendemos a contar até dez em inglês com o Planeta Boo (ele adora ver minha mão fazendo os números).

Vimos um vídeo no YouTube, fui beliscada por mãozinhas sem destreza e seguimos deitados. Mais um vídeo do YouTube e muitas gargalhadas.

E eu pisquei e meu bebê pegou o chocalho sozinho pela primeira vez e - novidade! - chacoalhou ele um montão, achando a maior graça. E eu filmei e babei. E enquanto uma mão brinca com o bebê (pq a brincadeira do chocalho já perdeu a graça) a outra responde o chat do banco.

Hora do banho. Esvazia a banheira, limpa, enche. Pega fralda, pega roupa, pega bebê, tira roupa do bebê. Banho. Shampoo, sabonete. De frente. De costas. Seca bebê. Ele não gosta. Veste o bebê, ele não gosta. Vê uma meleca na orelha, limpa. Bebê não gosta, chora. A paciência já não tá mais lá aquelas coisas. Coloco o bebê bravinho no berço, dou os brinquedos preferidos, ligo o mobile e vou fazer xixi porque pelo amor de Deus! Ainda são três horas.

Durante "o xixi", aproveito pra responder clientes e dar aquele olhada no grupo do whatsapp. Lembro da louça e dos informes de rendimento... Suspiro.

Bebê ficou tranquilo no berço e eu... Bom, eu achei a maior bola de pelo vomitada por um gato já vista na história desse apartamento. AFF. Da nem pra achar ruim, provavelmente a culpa é minha que não escovo os coitados.

Bebê chora. Dou corda no mobile mas não eh isso que ele quer. Adivinhem? Fui amamentar. Deitada no colchão dele, no chão, metade das pernas pra fora. Quem sabe ele dorme.

Fico pensando se saio do colchão quando ele dormir ou se tiro um cochilo também. Nem arrumei minha cama hoje, mas parece que um cochilo cairia bem...

Bebê dormiu. Mãe zumbi levanta. Mexi na planilha de vendas da loja, tentei pegar outro informe de rendimentos, não rolou, fiz umas contas e... Fui fazer outro café. Já são quinze pras quatro. Calma. Respira. Hahaha em sete minutos eu fiz café, tomei metade em silêncio e metade com o bebê chorando. Corri amamentar mais um pouco. Acho que faltou um golinho... mama, mama, mama.

Meia hora de mamar, vamos ver quantos minutos de sono.

Cinco! Uau! (Risos nervosos)

Mamou mais um pouco e dormiu. Decidi ficar grudadinha com ele pois percebi que não era fome a necessidade, era chamego. No meio do sono, diversas vezes ele fez bico e chorou meio dormindo meio acordando... Como se estivesse tendo um pesadelo. Acalmava ele com carinho e/ou leite até dormir de novo...

Quinze pras cinco.

Levantei muito delicadamente e fui pra sala e um gato correu se aninhar no meu colo. Passei algumas fases do meu jogo.

Minutos depois, bebê acorda, troquei ele e pus uma roupinha confortável, pq tempo virou e começou a ventar... Falei com meu pai ao telefone, levei as xícaras de café pra pia. Arrumei a cama. Sim, a essa hora. Bebê tá no berço brincando com as tartarugas. Tirei o lixo do quarto do bebê e recolhi os panos de chão do varal, porque pretendo lavar as fraldas de pano ainda hoje. Vamos ver...

Decidi não esperar até de noite. Já enxaguei as fraldas e pus tudo pra lavar, com as roupinhas que estavam entupindo o cesto também. Melhor, assim já fico livre.

Davi tá rindo sozinho e "conversando" com os gatinhos do móbile. Ouvi algumas gargalhadas e resmunguinhos, mas quando ele me viu parou na hora. Tão lindo!...

Fomos pra sala, cantamos com o leão e o elefante, ele fez xixi e vazou tudo. Troquei de novo, calça, body e fralda. Marido chegou. Conversamos, como todo dia. Bebê quis mamar. Mamou e dormiu. Partiu fazer janta então.

Puts, pia lotada de louça. Comecei a lavar e bebê acordou. Voltei dar mais mama. Claro que ele acordou quando lavava o segundo prato haha mas aí meu marido chegou e ficou com ele. Lavei louça, fiz janta. Jantamos, brincando com ele. Depois peguei no colo, dei mama. Nada de dormir. Vamos brincar então. Fomos no berço brincar com as tartarugas, papai trocou ele e ele deu várias gargalhadas.

Eu bem que ia lavar a louça da janta mas fui requisitada nas brincadeiras. Ficamos os três juntos até o Davi querer mamar pra dormir. Foram vários mama-dorme-acorda até dormir de vez. Normal. É sempre assim a noite e normalmente ele só dorme de vez perto das 22h30, 23h.

Já são 22h23. Quem sabe essa é a última mamada antes do sono pesado...

22h40 dormiu! Fui! Espero que seja "só" por hoje. 

domingo, 7 de fevereiro de 2021

com quantas gotas se faz um copinho de cachaça (de leite)?


Hoje completamos nosso primeiro mês de aleitamento materno exclusivo em livre demanda. Tão difícil quanto lindo, tão doloroso dar quanto não dar.

Depois das duas primeiras semanas, que foram de dúvida e dor, quis desistir - como acho que todas já quiseram em algum momento. Mas chorei porque queria, mas não queria.

Na próxima mamada, estava lá novamente.

E no dia seguinte o céu se abriu e as coisas começaram a ficar mais simples. Revisei meus estudos sobre pega correta, respirei fundo e me apoiei em toda a teoria (peito é fábrica, não estoque; leite materno é tudo que seu bebê precisa; livre demanda é importante...) e encontrei a paz que precisava.

Também na terceira semana, Davi passou a me olhar enquanto mama. Não sempre... Mas as vezes ele firma os olhos nos meus e aperta forte um dos meu dedos com a sua mãozinha - mas eu me derreto mesmo quando, já caindo no sono, de olhos revirados, ele sorri, com o peito ainda na boca, como que dizendo "estava uma delícia, mamãe, obrigado mais uma vez".

E a cada "obrigado mais uma vez", eu sorrio também e volto na próxima mamada, com todo o amor.

Não é uma escolha fácil, mas era a única que poderia fazer.

(...)

domingo, 24 de janeiro de 2021

Antes do princípio - do trabalho de parto

Relato de parto, parte 2: o pré-parto


Eu não estou aqui para ensinar pra ninguém nenhuma receita de bolo. Não estou aqui pra mostrar o segredo de um truque de mágica e nem pra comprovar com quantos paus se faz uma canoa. Esse é - assim como outros textos que vieram e que virão - apenas um relato da minha experiência pessoal porque tenho em mim essa necessidade de escrever...



Queria dividir que meu pré-parto começou há muitos anos, muito antes sequer de eu conhecer meu marido e pai do meu bebê. 

Quem me conhece sabe (mas vai que o blog ganha novos leitores, né?) que eu sou jornalista e trabalho desde 2013 como assessora de comunicação da Prefeitura de Cabreúva. Fiquei até 2015 como assessora direta da Secretaria da Educação. Lá, entre as creches, um programa muito interessante era posto em prática: o Primeiríssima Infância (que depois passou a ser política pública estadual e se chamar São Paulo pela Primeiríssima Infância - o SPPI). Esse programa tem o objetivo de cuidar das crianças dos 0 aos 3 anos, época do ápice do desenvolvimento. Pra cuidar desde os "zero", o programa inclui um olhar atento as gestantes e puérperas (essa pessoa recém parida, recém mãe, recém chegada a esse mundo todo novo). 

Em 2015, logo antes da Santa Casa ser reinaugurada (depois de uma brutal reforma), eu passei a assessorar a Saúde. Quando comecei a escrever sobre saúde, não tinha nenhum encanto especial pela pasta ou pelo tema. Com o tempo, coisas foram acontecendo, projetos foram sendo implantados e, aos poucos, fui aprendendo e me apaixonando.

Continuava responsável por acompanhar os acontecimentos do SPPI, e por trabalhar com a Saúde eu me aproximei mais das ações em prol dos "zero anos": parto, pré-natal, pós-parto, amamentação, entre outros, passaram a ser temas recorrentes das minhas matérias e entrevistas,

No meio de 2015 - e graças a esse programa - a Santa Casa mudou seu protocolo de parto, contratando enfermeiras obstetras para serem as condutoras dos partos de risco habitual e inaugurando a sala PPP (a sala foi chamada carinhosamente de Quarto Semente - onde a parturiente vivia seu trabalho de parto, o parto em si e os primeiros momentos do pós parto, com atendimento humanizado, menos intervenções médicas, corte do cordão umbilical tardio, amamentação na primeira hora de vida e diversos outros "conceitos" "inovadores" para o SUS). A sala, em si, não tinha nada demais. Uma maca, um berço aquecido, chuveiro, umas barras presas na parede, uma banqueta, uma bola de pilates e era isso. A mudança, afinal, não seria feita com coisas e nem com dinheiro. Foram elas, as enfermeiras, que transformaram a realidade. 

E eu passei a frequentar semanalmente a Santa Casa. Palestras, cursos, visitas guiadas, encontros de gestantes e famílias grávidas, reuniões de planejamento, eventos como a Semana Mundial do Aleitamento Materno: foram centenas de momentos que foram compondo o meu pré-parto (e nessa época eu nem sabia que queria ter um filho...).

Lá, três enfermeiras se tornaram minhas "amigas secretas" - secretas porque eu admirava tanto o trabalho delas que comecei a considerá-las minhas amigas, pessoas tão queridas e de quem eu adorava estar perto, mas acho que só eu sabia disso. Talvez, pra elas eu fosse apenas a jornalista da prefeitura, uma colega de trabalho, talvez, mas eu as tinha como minhas amigas, tamanha a alegria de ouvi-las falarem do parto humanizado. Eu era feliz nas minhas pautas da Santa Casa. Eu me divertia, admirava aquela equipe, seus gestores, as pacientes... E saía sempre mais encantada do que havia entrado. 

Para divulgar o trabalho que estava sendo realizado na Santa Casa, eu tive a oportunidade de presenciar quatro nascimentos, para filmar e fotografar: dois partos normais e dois partos cesárea. Lembro até hoje a sensação do primeiro deles. Um parto normal a jato, um acompanhante pra lá de presente, uma mulher pra lá da partolândia (lembro com clareza do seu olhar que me atravessava sem ver, imersa que estava em si e no seu momento), que trouxe sua bebê ao mundo de uma forma linda, forte, verticalizada, uma enfermeira obstetra queridíssima, que falava baixo, dava força e orientações e respeitava o tempo daquela família.

Aquilo me marcou muito. Foi um dos momentos mais marcantes da minha carreira. Ver a vida chegar, ver uma família nascer.

A primeira cesárea também me marcou. Lembro do arrepio que eu tive com a anestesia, com o cheiro de carne queimada... A moça estava ótima e feliz mas eu me senti mal. Foi diferente do outro parto e lembro de te pensado, ainda dentro do centro cirúrgico: "se Deus quiser esse será o mais perto que eu chego de uma cesárea" (tenho medo de cirurgias, podem me julgar rsrs).

E ali, eu decidi minha via de parto! Dali pra frente, li muito, pesquisei muito, vi documentários... Achava que queria ser doula. Claro que não, só queria ser mãe. Mas eu teimava com o meu terapeuta e seguia o baile da auto ilusão, até porque um bebê não fazia parte do meu cronograma (sim, eu tinha um cronograma a cumprir antes do bebê e ele passava necessariamente pelos itens apartamento e marido - pra mim sempre foi inconcebível fazer de outra maneira). 

Eu usava do jornalismo como desculpa pra saber das coisas e sempre tive uma paz muito grande com a minha série de decisões inquebráveis (leia mais sobre minha história com a amamentação no próximo relato rs).

Em 2017, o carnaval de Cabreúva foi cancelado por questões financeiras e parte da verba foi destinada a a uma reforma da Santa Casa - ajustes internos e a construção de um bloco administrativo, que liberou uma sala grande dentro da maternidade, onde foi construído o novo Quarto Semente: maior, mais equipado e, dessa vez, com uma bela banheira.

Eu estava lá durante a reforma. Acompanhei, fotografei, escrevi. Estava lá quando a banheira foi instalada, Estava lá vendo aquelas pessoas incríveis encantadas com aquela estrutura (coisa que nem convênio tem, quem dirá o SUS...). Estava lá quando a sala foi inaugurada, em 2018, com toda pompa, com cobertura da TV regional e muita alegria. Estava lá quando as parteiras (as enfermeiras obstetras maravilhosas) receberam treinamento para conduzir partos na água (com uma professora para lá de maravilhosa, vindo direto da tão admirada Casa Ângela, em São Paulo, referencia em partos normais humanizados...). Aquele quarto novo, aquela banheira, aquelas pessoas... Significam muito pra mim.

Estava lá, quando nasceu o milésimo bebê após a reinauguração! E também quando a Santa Casa e seu projeto de humanização do parto foi reconhecido como uma das 10 melhores práticas do Estado com relação ao Programa São Paulo Pela Primeiríssima Infância. Estava na inscrição, estava na gravação do vídeo de inscrição, estava na premiação. Aquele prêmio, aquela vitória, aquele reconhecimento: era um pouco meu também. Me sentia tão parte daquilo que comecei a sonhar com o meu próprio parto.

Quando engravidei, de fato, estávamos (estamos ainda) na pandemia. Isso tirou de mim (e das outras grávidas cabreuvanas) toda e qualquer oportunidade de se sentar pra ouvir. Todos os eventos, encontros, palestras, rodas de conversas e semanas maravilhosas foram canceladas. A Saúde estava (está) focada em conter o vírus. Eu, isolada dentro de casa sem nem uma amiga grávida pra me fazer companhia virtual. 

Isso me encheu de tristeza porque em cada um desses eventos eu imaginei como seria quando chegasse a minha vez. Me imaginei sentada entre elas, as grávidas, ao invés de estar em pé num canto com uma câmera e um bloquinho. Ostentaria minha barriga pra lá e para cá e reforçaria todo o conhecimento já adquirido.

(Também passei anos desejando ter as fotografias do meu parto. Sim, já que eu estive lá pra fotografar o de outras mulheres. Também não foi permitido por causa da pandemia. Pena...)

Mesmo sem ter a chance de estar "enquanto grávida" nesses eventos e encontros, sei que toda a bagagem adquirida antes mesmo de querer engravidar foi o que me deu paz com a minha escolha pelo parto normal e com a equipe daquela instituição. 

Ter um vínculo afetivo com a Santa Casa (e muita informação) foi um ponto pra lá de importante do meu parto. Mesmo não conhecendo a equipe que estava me atendendo, especificamente, eu conhecia o hospital, seus protocolos, o "jeito de pensar" da instituição não só sobre partos mas sobre amamentação, humanização, entre outros. Confiar na maternidade me garantiu paz no coração pra focar em mim e no meu corpo, sem me preocupar com intervenções, com desrespeito, com violência obstétrica... 

Sei que é surreal pensar que "me preparei" por mais de 5 anos para o meu parto. Sim, é mesmo. Na vida real, temos sete ou oito meses pra absorver a informação que precisamos - e é TANTA COISA pra saber - até o dia de parir. Mas meu pré-parto foi assim. Longo, complexo, cheio de histórias e emoções. 

Talvez por isso tenha passado minha gravidez toda tão tranquila. 

Não fui atrás de outro hospital e nem me preocupei com a possibilidade de não dar certo o meu plano/sonho do parto normal. E no fim, deu mesmo tudo certo. Talvez por eu ter confiado demais. Talvez porque meu inconsciente teve tempo de se preparar. Talvez porque o parto normal dá certo independentemente dos cinco anos de conteúdo acumulado - só porque a natureza é sábia e ponto final. 

Só sei que a Santa Casa sempre fez parte do meu desejo pela maternidade - e foi tudo exatamente como eu sonhei. Eu vivi na pele a realidade que tanto divulguei nos meus textos, vídeos e fotos. E muito me alegrou ver que só vendi verdades em cada palavra e cada click.





quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

a tal vida real


A tal vida real. O prato de comida já esfriou, você nem sabe que horas são. O chorinho só passa no colo. Quer dormir, mas não consegue. Ele, na posição preferida. Você, morrendo de dor nas costas: dez quilos a mais, ainda de pijama. Anda pra lá e pra cá. Nada. Choro. Toma o peito. Não quer. Choro. Anda pra lá e pra cá. O choro passa, mas os olhos estralados denunciam que não está dando certo. Você recorre ao secador de cabelo e seu ruído branco de que tanto falam por aí. E reza. Reza pra cria dormir, porque se ela não dorme agora, a coisa só vai piorando. Os hormônios não sintetizam, a pega só peito não acontece, o stress aumenta - dele e seu. O secador assusta no primeiro momento, mas segundos depois você já sente o bebê relaxar. Menos a mão, que aperta firmemente seu sutiã, como quem diz "é aqui que quero ficar, mamãe, não me põe no bercinho quando eu dormir". Até que, enfim, o bebê dorme. Até que, enfim, sua expressão suaviza. Sutilmente, como se o mundo dependesse da sua delicadeza, você o coloca no berço. Em cinco minutos, ele acorda. 

E vida que segue.