sexta-feira, 25 de maio de 2018

a gente não escolhe (ou a gente escolhe) certas perturbações

Eu tenho uma memória. Uma lembrança, que nem sei se é real, de uma garota de cabelos pretos e lisos, cortados chanel com uma grossa franja caindo sobre a testa, sentada no chão, folheando uma revista. Essa garota sou eu e essa revista é mais uma da coleção do meu pai, que construiu, com tijolos, parte do seu patrimônio: uma Arquitetura & Construção.

Lembro das fotos. As casas não eram quadradas, com telhados triangulares, como nos desenhos que fazia na escola, com uma porta retangular, uma janela quadrada com a cortina presa em ambos os lados. Nas melhores casas das ousadias infantis: dois andares, chaminé, janela redonda no sótão. Um misto dos filmes americanos a que assistíamos na Sessão da Tarde com nossa imaginação simplista. Mas na revista elas não eram assim. Elas tinham os mais variados formatos - até redondas. Estavam nos mais variados terrenos - até em penhascos. Tinham madeira, cerâmica, concreto. Tinham tapetes e almofadas e flores e sofás e quadros na parede e taças na cristaleira. Nunca tinham pessoas, mas dava pra imaginar quem seriam... Adultos, bem sucedidos, sorridentes, lendo jornal em alguma das poltronas fofas e olhando aquelas paisagens que apareciam pela janela, fosse uma incrível natureza ou o deck com piscina. Eu, na minha brincadeira solitária e puramente imaginativa - "mal" que acomete todos nós, com alma meio artista - imaginava a mesma dona pra cada uma daquelas casas esplêndidas: uma mulher, uma arquiteta, com uma biblioteca cheia de livros - eu. 

Sim. Aquelas revistas me fizeram desejar ser arquiteta e me fizeram desejar ter uma casa linda, Por que? Afinal, não apenas os arquitetos têm casas lindas. E até mesmo na minha inocência infantil, eu sabia disso. Hoje, quanto lembro disso, faço um chute. Me conheço um pouco, hoje, pra entender minha linha de raciocínio de uma década e meia. A necessidade de ter todas as informações, meu desejo por criar, por a mão na massa, minha satisfação em controlar as coisas, minha curiosidade e ansiedade, meu orgulho em me ver realizar algo, a plenitude de alcançar um objetivo, a dificuldade em pedir ajuda pras pessoas, o perfeccionismo que me tira o sono e me complica a confiança e a obediência... Sei que passei dias e mais dias desenhando plantas baixas de casas, como as que vinham estampadas na revista, e que meu pai precisou falar muito sobre como os arquitetos tinham que saber de matemática até eu me convencer que, talvez, ser arquiteta não fosse bem minha praia. Mas eu ainda poderia ter uma casa linda e essa ideia já me satisfazia.

Não sei quantos anos tinha nessa época, mas imagino que algo em torno de nove ou dez, já que aos onze eu decidi que seria jornalista, como sou de fato, tendo tido apenas uma crise existencial por volta dos 13 anos, que quase me levou a escolher Turismo... Bom, a questão casa-linda ficou meio inerte por um tempo, pois outras questões vieram. Normal. Adolescência, vestibular, faculdade, namoro, trabalho, associação, política,... Essas coisas demandam tempo, energia, atenção. A vida adulta demorou a chegar, de fato. E, pra mim, chegou em outubro de 2015, quando decidi que era hora de procurar uma casa ou um apartamento ou um investimento que me levasse a ter, um dia, um lugar pra chamar de meu. Um ano depois, novembro de 2016, lá estava eu: assinando um contrato. Quer adultice maior? 

Mais um ano se passou e, no final de 2017, tive acesso ao primeiro passo do Projeto Casa-Linda ou Projeto 2020, como chamei: um projeto de design, que materializou - em fotos e plantas e códigos e nomes de produtos - um sonho. E era só meu, era exclusivo, era eu representada numa casa. Tinha eu em todos os cantos, em cada detalhe. Meu eu jornalista, meu eu viajante, meu eu bailarina, meu eu fotógrafa, meu eu mulher, meu eu delicada, eu meu forte, meu eu rústico, meu eu moderno. Meu eu poeta. Meu eu leitora...! Meu eu cozinheira que quer temperos naturais fresquinhos. Eu: com todas as minhas facetas. 

Um projeto que já completa, no meu coração, duas décadas e cuja execução começou a ser planejada há dois anos e meio. E que, agora, me apavora.

Apavora porque ele está quase pronto. Porque não estou pronta. Me apavora porque sinto que sou incapaz de fazê-lo acontecer. Me apavora porque, as vezes, acredito que tudo isso é uma loucura e que ter um teto é mais importante que ter uma casa linda. Me apavora porque, as vezes, acredito que não vou dar conta. As vezes, acredito que não vai dar certo. As vezes, desconfio. De mim, do universo, desse sonho idiota de criança.

Felizmente, tenho quem me dê a mão, me faça voltar do Fantástico-Mundo-de-Bob-O-Pessimista e coloque calma no meu coração. "Primeiro as primeiras coisas"... Depois, ouço o Capitão Jack Sparrow falando num meio sorriso de deboche: repita até se convencer! 

Primeiro as primeiras coisas. 
Primeiro as primeiras coisas. 
Primeiro as primeiras coisas. 
Primeiro as primeiras coisas. 
Primeiro as primeiras coisas. 
Primeiro as primeiras coisas. 
Primeiro as primeiras coisas. 

E, ainda, ouço Belchior: medo, medo, medo, medo, é hora do almoço!

quinta-feira, 24 de maio de 2018

eu só sei que eu quero você


Ele é raiz. Eu sou nutella. Ele, azul. Eu, uma cor meio amarela. Ele, sorriso. Eu, mal humor.

Ele pula da cama cedo no domingo e eu só falto sair arrastada. 



Ele, só por hoje. Eu, toda focada no amanhã. Ele é presença e eu sou toda ansiedade. 



Eu sou dança cheia de strass no palco, ele dança de pijama na sala. Ele, café doce. Eu, forte e amargo. Ele, acampamento. Eu, hotel. Ele, carinho. Eu, assertividade. Ele, mato. Eu, cidade.

Ele, música. Eu, movimento. Ele, voz. Eu, texto. Ele, bolo de cenoura. Eu, panqueca com bacon. Ele, experiência. Eu, imaginação. Ele, prática. Eu, teoria. 



Somos muito parecidos. Gostamos do mesmo chocolate, das mesmas músicas, do mesmo bolo de aniversário... mas nossas diferenças também são importantes. É com elas que aprendemos, que somos empáticos, que nos superamos, que vamos além. Amo você não "apesar", mas "porque" você é como é. Te amo. Te admiro. Te quero pertinho de mim.

quinta-feira, 17 de maio de 2018

levar as malas pro fusca lá fora



De tanto a luz dos olhos teus e a luz dos olhos meus resolverem se encontrar, meu olhar se iluminou e clareou...  E o marrom empoeirado de antes deu lugar a um brilho verde, que dedura a esperança que nasceu em mim desde que você chegou. 

Estúpidos olhos: me entregam, me denunciam, me expõe. Só de verem você já se assanham, dilatados e brilhantes. Não escondem de ninguém a alegria de ter você e esse brilho azul, que os completa, preenche,  alimenta, inspira... 

E quando não te veem, disfarçam menos ainda. Marejam, molham. Choram, deixam escorrer a saudade e se tornam ainda mais verdes com a esperança de te olhar todos os dias. Sempre. Pra sempre.