domingo, 24 de janeiro de 2021

Antes do princípio - do trabalho de parto

Relato de parto, parte 2: o pré-parto


Eu não estou aqui para ensinar pra ninguém nenhuma receita de bolo. Não estou aqui pra mostrar o segredo de um truque de mágica e nem pra comprovar com quantos paus se faz uma canoa. Esse é - assim como outros textos que vieram e que virão - apenas um relato da minha experiência pessoal porque tenho em mim essa necessidade de escrever...



Queria dividir que meu pré-parto começou há muitos anos, muito antes sequer de eu conhecer meu marido e pai do meu bebê. 

Quem me conhece sabe (mas vai que o blog ganha novos leitores, né?) que eu sou jornalista e trabalho desde 2013 como assessora de comunicação da Prefeitura de Cabreúva. Fiquei até 2015 como assessora direta da Secretaria da Educação. Lá, entre as creches, um programa muito interessante era posto em prática: o Primeiríssima Infância (que depois passou a ser política pública estadual e se chamar São Paulo pela Primeiríssima Infância - o SPPI). Esse programa tem o objetivo de cuidar das crianças dos 0 aos 3 anos, época do ápice do desenvolvimento. Pra cuidar desde os "zero", o programa inclui um olhar atento as gestantes e puérperas (essa pessoa recém parida, recém mãe, recém chegada a esse mundo todo novo). 

Em 2015, logo antes da Santa Casa ser reinaugurada (depois de uma brutal reforma), eu passei a assessorar a Saúde. Quando comecei a escrever sobre saúde, não tinha nenhum encanto especial pela pasta ou pelo tema. Com o tempo, coisas foram acontecendo, projetos foram sendo implantados e, aos poucos, fui aprendendo e me apaixonando.

Continuava responsável por acompanhar os acontecimentos do SPPI, e por trabalhar com a Saúde eu me aproximei mais das ações em prol dos "zero anos": parto, pré-natal, pós-parto, amamentação, entre outros, passaram a ser temas recorrentes das minhas matérias e entrevistas,

No meio de 2015 - e graças a esse programa - a Santa Casa mudou seu protocolo de parto, contratando enfermeiras obstetras para serem as condutoras dos partos de risco habitual e inaugurando a sala PPP (a sala foi chamada carinhosamente de Quarto Semente - onde a parturiente vivia seu trabalho de parto, o parto em si e os primeiros momentos do pós parto, com atendimento humanizado, menos intervenções médicas, corte do cordão umbilical tardio, amamentação na primeira hora de vida e diversos outros "conceitos" "inovadores" para o SUS). A sala, em si, não tinha nada demais. Uma maca, um berço aquecido, chuveiro, umas barras presas na parede, uma banqueta, uma bola de pilates e era isso. A mudança, afinal, não seria feita com coisas e nem com dinheiro. Foram elas, as enfermeiras, que transformaram a realidade. 

E eu passei a frequentar semanalmente a Santa Casa. Palestras, cursos, visitas guiadas, encontros de gestantes e famílias grávidas, reuniões de planejamento, eventos como a Semana Mundial do Aleitamento Materno: foram centenas de momentos que foram compondo o meu pré-parto (e nessa época eu nem sabia que queria ter um filho...).

Lá, três enfermeiras se tornaram minhas "amigas secretas" - secretas porque eu admirava tanto o trabalho delas que comecei a considerá-las minhas amigas, pessoas tão queridas e de quem eu adorava estar perto, mas acho que só eu sabia disso. Talvez, pra elas eu fosse apenas a jornalista da prefeitura, uma colega de trabalho, talvez, mas eu as tinha como minhas amigas, tamanha a alegria de ouvi-las falarem do parto humanizado. Eu era feliz nas minhas pautas da Santa Casa. Eu me divertia, admirava aquela equipe, seus gestores, as pacientes... E saía sempre mais encantada do que havia entrado. 

Para divulgar o trabalho que estava sendo realizado na Santa Casa, eu tive a oportunidade de presenciar quatro nascimentos, para filmar e fotografar: dois partos normais e dois partos cesárea. Lembro até hoje a sensação do primeiro deles. Um parto normal a jato, um acompanhante pra lá de presente, uma mulher pra lá da partolândia (lembro com clareza do seu olhar que me atravessava sem ver, imersa que estava em si e no seu momento), que trouxe sua bebê ao mundo de uma forma linda, forte, verticalizada, uma enfermeira obstetra queridíssima, que falava baixo, dava força e orientações e respeitava o tempo daquela família.

Aquilo me marcou muito. Foi um dos momentos mais marcantes da minha carreira. Ver a vida chegar, ver uma família nascer.

A primeira cesárea também me marcou. Lembro do arrepio que eu tive com a anestesia, com o cheiro de carne queimada... A moça estava ótima e feliz mas eu me senti mal. Foi diferente do outro parto e lembro de te pensado, ainda dentro do centro cirúrgico: "se Deus quiser esse será o mais perto que eu chego de uma cesárea" (tenho medo de cirurgias, podem me julgar rsrs).

E ali, eu decidi minha via de parto! Dali pra frente, li muito, pesquisei muito, vi documentários... Achava que queria ser doula. Claro que não, só queria ser mãe. Mas eu teimava com o meu terapeuta e seguia o baile da auto ilusão, até porque um bebê não fazia parte do meu cronograma (sim, eu tinha um cronograma a cumprir antes do bebê e ele passava necessariamente pelos itens apartamento e marido - pra mim sempre foi inconcebível fazer de outra maneira). 

Eu usava do jornalismo como desculpa pra saber das coisas e sempre tive uma paz muito grande com a minha série de decisões inquebráveis (leia mais sobre minha história com a amamentação no próximo relato rs).

Em 2017, o carnaval de Cabreúva foi cancelado por questões financeiras e parte da verba foi destinada a a uma reforma da Santa Casa - ajustes internos e a construção de um bloco administrativo, que liberou uma sala grande dentro da maternidade, onde foi construído o novo Quarto Semente: maior, mais equipado e, dessa vez, com uma bela banheira.

Eu estava lá durante a reforma. Acompanhei, fotografei, escrevi. Estava lá quando a banheira foi instalada, Estava lá vendo aquelas pessoas incríveis encantadas com aquela estrutura (coisa que nem convênio tem, quem dirá o SUS...). Estava lá quando a sala foi inaugurada, em 2018, com toda pompa, com cobertura da TV regional e muita alegria. Estava lá quando as parteiras (as enfermeiras obstetras maravilhosas) receberam treinamento para conduzir partos na água (com uma professora para lá de maravilhosa, vindo direto da tão admirada Casa Ângela, em São Paulo, referencia em partos normais humanizados...). Aquele quarto novo, aquela banheira, aquelas pessoas... Significam muito pra mim.

Estava lá, quando nasceu o milésimo bebê após a reinauguração! E também quando a Santa Casa e seu projeto de humanização do parto foi reconhecido como uma das 10 melhores práticas do Estado com relação ao Programa São Paulo Pela Primeiríssima Infância. Estava na inscrição, estava na gravação do vídeo de inscrição, estava na premiação. Aquele prêmio, aquela vitória, aquele reconhecimento: era um pouco meu também. Me sentia tão parte daquilo que comecei a sonhar com o meu próprio parto.

Quando engravidei, de fato, estávamos (estamos ainda) na pandemia. Isso tirou de mim (e das outras grávidas cabreuvanas) toda e qualquer oportunidade de se sentar pra ouvir. Todos os eventos, encontros, palestras, rodas de conversas e semanas maravilhosas foram canceladas. A Saúde estava (está) focada em conter o vírus. Eu, isolada dentro de casa sem nem uma amiga grávida pra me fazer companhia virtual. 

Isso me encheu de tristeza porque em cada um desses eventos eu imaginei como seria quando chegasse a minha vez. Me imaginei sentada entre elas, as grávidas, ao invés de estar em pé num canto com uma câmera e um bloquinho. Ostentaria minha barriga pra lá e para cá e reforçaria todo o conhecimento já adquirido.

(Também passei anos desejando ter as fotografias do meu parto. Sim, já que eu estive lá pra fotografar o de outras mulheres. Também não foi permitido por causa da pandemia. Pena...)

Mesmo sem ter a chance de estar "enquanto grávida" nesses eventos e encontros, sei que toda a bagagem adquirida antes mesmo de querer engravidar foi o que me deu paz com a minha escolha pelo parto normal e com a equipe daquela instituição. 

Ter um vínculo afetivo com a Santa Casa (e muita informação) foi um ponto pra lá de importante do meu parto. Mesmo não conhecendo a equipe que estava me atendendo, especificamente, eu conhecia o hospital, seus protocolos, o "jeito de pensar" da instituição não só sobre partos mas sobre amamentação, humanização, entre outros. Confiar na maternidade me garantiu paz no coração pra focar em mim e no meu corpo, sem me preocupar com intervenções, com desrespeito, com violência obstétrica... 

Sei que é surreal pensar que "me preparei" por mais de 5 anos para o meu parto. Sim, é mesmo. Na vida real, temos sete ou oito meses pra absorver a informação que precisamos - e é TANTA COISA pra saber - até o dia de parir. Mas meu pré-parto foi assim. Longo, complexo, cheio de histórias e emoções. 

Talvez por isso tenha passado minha gravidez toda tão tranquila. 

Não fui atrás de outro hospital e nem me preocupei com a possibilidade de não dar certo o meu plano/sonho do parto normal. E no fim, deu mesmo tudo certo. Talvez por eu ter confiado demais. Talvez porque meu inconsciente teve tempo de se preparar. Talvez porque o parto normal dá certo independentemente dos cinco anos de conteúdo acumulado - só porque a natureza é sábia e ponto final. 

Só sei que a Santa Casa sempre fez parte do meu desejo pela maternidade - e foi tudo exatamente como eu sonhei. Eu vivi na pele a realidade que tanto divulguei nos meus textos, vídeos e fotos. E muito me alegrou ver que só vendi verdades em cada palavra e cada click.





quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

a tal vida real


A tal vida real. O prato de comida já esfriou, você nem sabe que horas são. O chorinho só passa no colo. Quer dormir, mas não consegue. Ele, na posição preferida. Você, morrendo de dor nas costas: dez quilos a mais, ainda de pijama. Anda pra lá e pra cá. Nada. Choro. Toma o peito. Não quer. Choro. Anda pra lá e pra cá. O choro passa, mas os olhos estralados denunciam que não está dando certo. Você recorre ao secador de cabelo e seu ruído branco de que tanto falam por aí. E reza. Reza pra cria dormir, porque se ela não dorme agora, a coisa só vai piorando. Os hormônios não sintetizam, a pega só peito não acontece, o stress aumenta - dele e seu. O secador assusta no primeiro momento, mas segundos depois você já sente o bebê relaxar. Menos a mão, que aperta firmemente seu sutiã, como quem diz "é aqui que quero ficar, mamãe, não me põe no bercinho quando eu dormir". Até que, enfim, o bebê dorme. Até que, enfim, sua expressão suaviza. Sutilmente, como se o mundo dependesse da sua delicadeza, você o coloca no berço. Em cinco minutos, ele acorda. 

E vida que segue.