sexta-feira, 2 de março de 2018

ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro

Sobre o que eu vou escrever se você for melhor do que esperar por você? Qual o destino desse espaço, se nele só houverem textos leves e felizes e sorridentes e apaixonados? Será que decepcionarei meus poucos leitores com tanto açúcar? 

Ontem, não chorei. Mas tive vontade diversas vezes. O coração, palpitando até agora, era só alegria; o sorriso aberto, rasgado, largo, de doer a mandíbula; os olhos brilhando de excitação, encantamento, surpresa. As mãos encaixadas perfeitamente, o perfume entrando pelas narinas e indo morar nos meus pulmões pra me lembrar de quem finalmente estava por perto...

Até agora, quando fecho os olhos vejo duas fotografias: a primeira de uma Ana Cañas leoa, vista de perfil com um macacão jeans de lycra, os pulsos cheios de pulseiras erguidos, uma das mãos segurando o microfone, a cabeça levemente jogada para trás, o holofote em foco, como se Deus abrisse os céus pra abençoar tanto talento.

A outra é de um casal abraçado no saguão do Sesc ao fim do show. Ele, mais alto e loiro, vestia uma camisa lilás (ou talvez fosse azul...); a barba feita; o sapato novo. Ela, de macacão descolado preto e branco, sapato de verniz e um imenso lenço verde musgo sobre os ombros. Passava os braços por cima dos ombros dele, que se inclinava levemente, de forma que ela não precisava ficar na ponta dos pés. Seus braços contornavam a cintura dela e suas mãos iam descansar nas suas costas, num toque firme e intenso. 
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As pessoas passavam, aposto que algumas olhavam, tentando entender o que acontecia. Confesso que nem vi. Estava conectada a essa imagem. Um casal abraçado em silêncio, celebrando a partilha de um momento tão rico e especial. Aposto que não tinham palavras, ainda, pra descrever. Que, no silêncio, apenas agradeciam ao universo por essa oportunidade. De se estar ali. De estarem juntos. De terem olhos e ouvidos e pernas e mãos e a chance de ouvirem tão fantástico tributo. 

Calados, sentiam seus corações disparados, ainda ouvindo a voz rouca de uma cantora e o sotaque forte da outra. Sorrindo, se afastaram um pouco. Se olharam e se beijaram e sorriram de novo. Deram as mãos e se foram. Iluminados. Apaixonados. Em paz.

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