domingo, 9 de setembro de 2018

quebra, cabeça

se prepara pra um texto cheio de analogias, pega seu café e vem.


Há muitos anos não montava um quebra cabeça. Coisa de uma década. Mas eis que ganhei um, de quase trezentas peças, que demorei a tirar da caixa. Falta de tempo, de interesse, tive momentos até de desdém ao presente. 

Na sexta-feira, resolvi dar uma chance pra que ele me distraísse um tempo. Julguei que seria simples, que o montaria rápido (pensei até em cronometrar, tola...) visto que quebra cabeça é basicamente uma brincadeira de crianças. Abri e me deparei com um mar de peças pretas, cinzas e amarelas. Todas. Absolutamente. Iguais. Inferno! Havia, ainda, mais uma questão - o jogo não possuía gabarito. Eu simplesmente não fazia ideia de qual era o desenho a ser montado. Não era brincadeira de crianças, afinal de contas. 

Qual seria o resultado final daquela empreitada? A gente nunca sabe qual vai ser, mas a gente sempre embarca nas experiências mesmo assim, não é? Então comecei.

Todo mundo sabe que a primeira boa regra pra montar quebra cabeças é organizar as peças, separar as beiradas e juntar as peças parecidas. Eu separei as amarelas das cinzas e das pretas e as beiradas e simplesmente NADA fazia sentido. Era como se todas as peças dessem pra encaixar em qualquer lugar e, ao mesmo tempo, não fosse formar desenho nenhum.

Três horas depois eu só tinha uma dezena de peças juntas. Frustração.

Dá vontade de decretar falência. Vontade de enfiar todas as peças na caixa e buscar aquele isqueiro amarelo no carro e dar fim nessa merda que não encaixa nada com nada. E olha que eu nem sou dessas que desiste no primeiro ímpeto... Mas quando nada faz sentido, a gente nunca sabe bem por onde começar...

Só que a vida não pára por causa do nosso sentimento, né? E aí, você é obrigado a encontrar um jeito. Nem que seja testar todas as peças até que uma delas encaixe. E quando isso acontece, a gente consegue vislumbrar um pedaço de qualquer coisa que se pareça com um desenho e encontrar outra peça que encaixe também...

Quanto mais peças encaixadas, mais fácil fica de montar. Quanto mais peças se encaixam, mais da dó de desistir, de desmontar. Agora, até enquadrar eu quero... 'Ele combina com a minha (futura) sala', penso.

A analogia vem pronta. No quebra cabeça como na vida, a gente não sabe direito como vai ficar no final. Torce pra tudo se encaixar, pro desenho ser bonito, pra não perder nenhuma peça que deixe um buraco no meio de tudo. Torce pra ser fácil, divertido, indolor. Dribla as frustrações e a raiva de não conseguir, segue em frente e vai dando jeito nas dificuldades...
No quebra cabeça como na vida, o começo é sempre difícil. Várias são as dicas que nos orientam a começar, mas a verdade é que é tudo tentativa e erro (e umas risadas sobre a idiotice de encaixar uma amarela em uma cinza pra ter certeza que não é aquela, sendo que é simplesmente óbvio). Conforme as coisas vão acontecendo e a gente deixa a vida fluir, vai ficando mais fácil entender o lugar de cada coisa.

No quebra cabeça como na vida, a gente tem que lidar com os buracos não preenchidos. Tem que lidar com o sono que arrebata e nos obriga a abandonar a imagem esburacada. Tem que aprender a acordar no dia seguinte e olhar pras partes que faltam, tentando enxergar e ficar feliz com as que não faltam. Suspirei diversas vezes... Disse em voz alta várias vezes que aquilo simplesmente era um saco, que não ia dar certo, que estava errado, que ia embora - ao mesmo tempo em que continuava olhando as peças e tentando entender, tentando fazer dar certo...

Sei que montei a coisa toda e as últimas quatro peças simplesmente não encaixavam. 

Praguejei o fabricante. Jurei que havia um defeito.

Até que, olhando de perto, vi outras duas peças encaixadas perfeitamente... no lugar errado. Arrumei as seis peças e concluí a montagem. Observando com atenção, vi outro caso assim, de peças trocadas. Lembrei da imagem do gomo de mexerica perfeitamente encaixado numa cabeça de alho. "Nem todo lugar onde você se encaixa serve pra você."

Pensei nas vezes em que me encaixei perfeitamente em lugares onde não ajudava a formar desenho nenhum.

Nas vezes que não me encaixava e eu forcei a barra pra caber... E como as bordas da peça ficavam desgastadas nesse processo...

Nas vezes que me mudaram para o lugar onde eu encaixava e relutei, sem querer abrir mão do lugar anterior...

Nas vezes em que me fiz peça, quanto sou na verdade um senhor quebra cabeça de duas mil peças que poucos tem a disposição - e, cá entre nós, a capacidade - de montar, de entender, de admirar.

Pensei nas vezes em que tentei jogar fora algumas peças minhas pra facilitar pro outro, pra que ele quisesse dedicar-me tempo. Pra que fosse mais fácil me ter ali. Mesmo que cheia de buracos e incompletudes. Mesmo que no fundo eu ficasse esperando que as peças sumidas fossem solicitadas e eu ficasse, finalmente, completa... 

Pensei nas vezes em que me preocupei mais em montar o quebra cabeça do outro, ao invés de me preocupar com o meu. E nas vezes em que dei minhas peças pra que o outro ficasse completo - sem pensar no custo que isso teria pra mim...

São inúmeras as analogias... Não sei se eu é que ando fazendo muita terapia ou se o exercício é realmente bom pra gente pensar. Fica a recomendação. Monte algo do zero. Sem saber por onde começar e nem direito o que está fazendo. E insista, peça por peça. Permaneça no propósito, mesmo que você o deixe de lado por uns momentos. Tenha calma. No fim, tudo fará sentido. 


Se não fizer, é só recomeçar.

Ou então voltar tudo pra caixa e buscar o isqueiro.

PS: quando essa foto foi tirada, ainda tinham duas peças trocadas. 

Encontre, se for capaz.


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