quinta-feira, 9 de agosto de 2018

transtorno

Será que ela apenas potencializa quem nós já somos? Ou será que ela nos transforma, libera coisas que talvez até já estivessem ali, mas as quais nunca tenhamos prestado atenção ou deixado acontecer?

Quem costuma segurar o choro durante todo o tempo: com ela, costuma chorar?
E quem costuma engolir todos os sapos e aceitar calada todos os desaforos, de repente passa a bradar com os outros?
Os inseguros mascarados deixam aparecer todos os seus medos bobos, em palavras ou lágrimas?

Eu fico com ela, como um homem que dá de cara com um urso cego.
Imóvel. Tentando não existir enquanto ela não vai embora. Tentando não fazer nenhum barulho que atraia a atenção do urso. 

Claro que eu nunca fui boa de brincar de estátua. Mas eu tento.

Tento minimizar toda a avalanche dizendo pra mim que logo ela passa. E passa, eu sei. Mas só quem é atropelado por ela frequentemente pode ser capaz de explicar como é ser soterrado. A sensação de não ter controle do que acontece consigo... A sensação vulcânica de que tudo irá por água abaixo. Somada à ansiedade, que já é da família, ela faz com que tudo pareça insuficiente. Dentro dela, tudo são excessos. Comparado à eles, claramente, tudo que está fora só pode parecer pequeno. Mas as coisas são como são e o que mudou, no fim, foi só a perspectiva, que acaba voltando ao normal em uns dias. 

Quando ela vai embora, é como um vulcão que para de cuspir fogo. É como um suspiro aliviado de pulmões gigantes. O peso das costas diminui. O coração volta a caber dentro da caixa torácica, as coisas de dentro vão ficando menores e as de fora crescem. E, imediatamente, parece que nossa energia vital começa a se restabelecer. 

Não é à toa que lhe chamam de tensão. Eu, hoje, a chamo transtorno. Incômodo. Contratempo. 

Quando ela se vai, toda a tensão é sentida pelo corpo. Doem as pernas, os ombros, as costas, a cabeça, o ventre. É como se, ao ver o urso indo embora, a mente voltasse aos poucos o foco ao corpo e sentisse finalmente todas picadas de inseto, a dor no trapézio, a dor de barriga, o frio cortando a pele. 

A dor emocional dá lugar à dor física, que - felizmente - também passa.

E há, ainda, quem diga que ela não existe. Que é desculpa, conversa fiada - mas era de se esperar que um país que desmerece investimentos em ciência acabe por desconfiar de coisas comprovadas em teoria e prática. Também é de se esperar que ela assuste quem com ela não convive. Assusta até a mim.

Mas, acredito: aos poucos aprenderemos a conviver. Afinal, calei-a por meia década ou mais. Ela demorou pra ser ela mesma, aprender a falar. E agora, estou no processo de aprender a lidar com ela. É dificil, mas é melhor assim.

Até a próxima, querida. Nos vemos no fim do mês.



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