sábado, 27 de março de 2010

Little girl

"A menina era esguia e monocromática. Sua pele, cabelo e olhos tinham a cor amarronzada do chão de terra em que pisava, contrastando nitidamente, inclusive aos míopes, com seu vestido pequeno cor-de-rosa, preenchido com as flores que quase não se viam em seus olhos. Ela tinha quatro anos. Ou cinco, não soube me dizer. Insistiu para que eu descesse do carro e foi intrusa ao me questionar sobre a ausencia de filhos. Entreteu-se com minhas unhas de três centímetros azuis e esticou a mãozinha para tocá-las. Quis saber meu nome e chutou: 'é Andreia?'. Não, não é. Mas tudo bem. Conversou comigo mesmo assim, sem preconceitos. Mesmo não me chamando Andreia. Quando voltei pro carro, meio enternecida por sua carência emocional e financeira, ela afastou-se. Eu a chamei de volta. Ofereci-lhe, tentando cultivar uma simpatia gratuita, um pacote de bolachas integrais, de grãos e vitaminas e sais minerais e sódio e calorias e carboidratos completos, e ela, com os olhos em flores, aceitou. Olhando-me de baixo, as mãozinhas em volta do pacote verde, falou, inocente: 'como que abre, tia?'. Ela nunca tinha visto um club social. É... Pra dar-lhe o sabor da novidade, mais que da bolacha, puxei meio centímetro a fitinha vermelha, mostrando como se faz, e ela, curiosa, atenta, continuou. Na dúvida, parou no meio do caminho, a fita meio na bolacha, meio na mão dela: 'é assim, tia?', era sim. E a garota de penas e braços finos, de cabelos desgrenhados, em meio à chuchus e maracujás gigantes, abriu sua bolacha, e a degustou. Devagar, uma a uma. Como se fosse a coisa mais deliciosa que um paraíso pudesse oferecer. Melhor se fosse doce e recheada? Não sei, ela tambpem não saberia dizer. O sentimento que me inundou naquela hora nãosou capaz de definir ao certo, mas é algo que beirou a vergonha e, ao mesmo tempo, a gratidão. As vezes é necessário olharmos os umbigos alheios pra valorizarmos o que se encontra no meio da nossa barriga. A grama do vizinho pode ser mais verde, mas é porque sempre olhamos pra casa colonial, não pra do caseiro, aos fundos. Quando o carro saiu, quis voltar lá e brincar com a garotinha, ensinar-lhe coisas e pagar-lhe iogurtes ou chocolates. Mas o que mais mexeu comigo, não foi ela dizer que a vó brigava com ela, que não morava com a mãe, ou que não tinha esmaltes vermelhos pra pintar as unhas, mas quando ela, sorrindo, me disse inocente como se soubesse como: 'tia, eu vou lá na sua casa depois, ta?'."

Beeeijos, Jaqueline.

Um comentário:

Luiz Loureiro disse...

lindo jaque! belissimo texto. real? uma pequena intervençao: pq nao garotinha, ou menininha, ou miuda? hehe

mas belissimo msm! parabens!

sempre ha esses momentos de nó no peito né... é uma pena estarmos corrompidos pela vida em sociedade, saber que ha qm passe indiferente por casos como esse! e qntas vezes nós msms nao passamos indiferentes por casos desses?