"Viver é uma eterna despedida entre o que somos agora e o que seremos em seguida..."
O ano começou com desafios. Mas mais que isso, começou comigo abraçando problemáticas, desafios e sonhos que nem eram meus, pra começo de conversa. E, pior, achando que eram. Mas lembre-se, caro leitor, que nesse universo colorido que é o Amnésia, nós acreditamos que as coisas acontecem como tem que acontecer. Em consequência dessa apropriação inadequada de coisas que não eram minhas (e aqui falo principalmente de sonhos "impostos"), veio uma avalanche de aprendizado no curso de coaching e na amizade com pessoas, até então, inimagináveis. Nessa vibe, o sangue veio aos olhos e a vontade de enfrentar e superar desafios brotou. Me inscrevi para o Selo Dunas (selo de qualidade de dança) e comecei a ensaiar para ser aprovada. Como desafio pouco é bobagem, eu e minhas amigas inventamos de promover um curso de dança, não com o objetivo de ganhar dinheiro, mas com a ilusão de propagar a boa dança e fazer pessoas terem, em Jundiaí, o acesso à arte de qualidade que temos em São Paulo, por puro amor à dança. Tolinha...
Fevereiro
As coisas começaram a degringolar. Essa é a avaliação que faço hoje. Na época não enxergava nada. (Aliás, engraçado como a gente simplesmente não quer olhar pro que nos machuca...) Fui para Águas de São Pedro, cidade da qual gosto bastante e que me remete à uma infância muito feliz. Aí teve o carnaval, que conseguiu ser pior do que o ano que eu não estava bebendo. Ponto alto do carnaval foi eu, de salto alto, palestrando pra evangélicos sobre o poder das emoções na criação de resultados. Me senti tão poderosa, tão adulta, tão capaz. Escrevi parte de um livro, preparei uma palestra, uma apostila e uma apresentação de slides. A-dul-ta.
Março
Tem mês que é de fazer e tem mês que é de sonhar. Março foi mês de sonhar. Mês de acreditar que as coisas podem ser possíveis. Prestei a banca do Selo Dunas. Teve show no Portal do Egito, onde sonhei e dancei um tango que me arrepia a parte romântica, dolorida e sensual da alma, mas um arrepio bom, de beijinho no pescoço. Em março, a ideia leve e despretensiosa de um dia, quem sabe em setembro, irmos para Portugal, virou uma meta. Comprei um guia, um cappuccino, chamei as amigas e começamos a planejar o que seriam os melhores doze dias do meu ano, sem sombra de dúvidas.
Abril
Abril veio a melancolia. Veio a ansiedade forte, parruda como nunca. Veio a falta de paciência para a reclamação. E a reclamação para a falta de paciência e dedicação e vontade de mudar. Veio o Mercado Persa e vi que o nervoso passou. O frio na barriga, agora, é apenas uma cócega que me incentiva a sorrir mais, mas que o conforto na hora de dançar, finalmente, me vestia. Estava confortável em estar onde estava. Abril trouxe um show único, da Aziza. Trouxe improviso. Trouxe jogo de cintura na dança, mas não na vida. Trouxe aceitação com o meu processo de aprendizado, mas não trouxe para o processo de aprendizado do outro... E continuava não querendo enxergar coisas muito óbvias.
Maio
Bom, o corpo não demora pra somatizar o que a alma sente. E no fundo eu queria muito que aqueles piripaques tivessem origem clínica, pra não ter que olhar pra nada disso. Primeiro, foi o coração. Acelerado. Fora do ritmo. Aos tropeços. Tremor nas mãos, falta de ar. Santa Casa. Depois: cardiologista, endocrinologista, ultrassom, exame de sangue e urina, holter 24h. Nem mesmo um único problema detectado. Mil reais em consultas e exames - sem falar nas tardes indo e voltando de Jundiaí - pra me receitarem sol pra sintetizar vitamina D e um calmante natural a base de maracujá. Mil reais em consultas e exames pra ouvir de duas médicas diferentes que eu precisava aprender a relaxar, pois estava muito ansiosa. Ah, as ironias da vida... Não precisava nem das treze temporadas de Greys Anatomy pra me autodiagnosticar...! Teve muita insônia, esse maio. Mas teve Tarik. Teve Greicy Anne me mostrando como tem gente incrível no mundo e como gente incrível é sutil. Gente incrível não fica gritando que o é por aí. Gente incrível vive sendo incrível, com um sorriso no rosto e sutileza do olhar, fazendo o que deve ser feito, porque sim. Maio teve inspiração, como teve. Vontade de cruzar o oceano, pra ser um pouquinho incrível também. Maio teve a descoberta da Lote 42 e mais inspiração ainda...
Junho
Junho foi mês de festa. Mês de encerrar o curso da Aziza, certa da pessoa e artista incrível que ela é e mais certa ainda de que nunca mais tento promover um curso em Jundiaí. Junho teve prosa, sentada na grama, olhando o Templo. Teve momentos de calmaria, em lugares de paz. Teve dia de altas doses de alegria. Junho foi mês de celebrar o sonho de março e dançar com todo o coração na melhor noite árabe de São Paulo. Dia de mesa cheia, de gente querida, de comida gostosa, de amor que não cabia no peito e tinha que ser posto pra dançar, pra não ficar esparramado. Mais que sonhos construídos, em junho vi sonhos serem fundados: de ferro e concreto, vi nascer meu Lar, com letra maiúscula. Meu sonho de menina, que fuçava as revistas de arquitetura e sonhava com uma casa pra chamar de minha. E agora, aqueles buracos no chão me diziam que eu teria...
Julho
Julho veio mostrar que não dá pra controlar tudo. Não cabe a nós, nessa vida, ter certezas. Quando achamos que temos tudo sob nossos olhos, vêm a vida e mostra que não é bem assim não. E quando reclamamos sobre o que está acontecendo, a vida põe as mãos na cintura, bate o pé e diz "então agora a madame vai se fazer de desentendida?". Prova disso foi o notebook morrer em pleno ápice de coisas pra fazer, a manutenção não resolver e ter que comprar outro. Muita pesquisa depois, depois da compra, da demora, da espera, da entrega, dos programas instalados... Quando tudo finalmente estava pronto para minhas fotos: a casa aberta, as gavetas reviradas, o vídeo game desaparecido e o banco na cozinha onde ele estava antes, agora vazio, me diziam: 'perdeu'. Telefone, surto, teorias, delegacia. Depois de encontrado, o alívio veio acompanhado pela formatação com Windows 8 - o pior da história. De novo: manutenção, gasto, demora, espera, entrega, programas instalados... Julho também teve sutiã abrindo no meio da dança, pra testar a velocidade com que eu decidia se continuava dançando ou saía correndo. Se encarava a vergonha do alfinete mal colocado por causa da confiança extrema de que estava tudo sob controle ou se assumia uma maior ainda de desistir. Mãos no pescoço, nó nos fios e segue o baile. Lágrimas vieram, depois. Perdi o rebolado, mas só depois de concluir a dança, sorrindo.
Agosto
Agosto nunca foi meu mês preferido do ano. Sem feriados, longo, normalmente com muito vento... Mas até mesmo ele passou rápido em 2017. O planejamento da viagem à mil, me mantinha empolgada em vivê-lo. A dança se fez cada vez mais presente na minha vida e em agosto não foi diferente: fui pra São Paulo toda semana, as vezes mais de uma vez. Dancei com o coração quando, tirando as sandálias, pisei no chão da Khan el Khalili com os pés e a alma desnudos. Nenhum vídeo sobreviveu a esse dia, mas, mesmo assim, eu não vou esquecer daquela energia. Podem falar o que for da história e do destino desse lugar, mas, cinco anos atrás, quando eu não sabia nem o que era direita e esquerda na dança, esse lugar já brilhava de certa maneira no meu coração dançante. Um desejo, aparentemente impossível, se realizava. Isso não tem preço.
Também recebi meu certificado do Selo Dunas, dizendo que era meu aquele lugar; que eu tenho direito de ocupá-lo. Que, de certa forma, eu mereci. Auto reconhecimento...
Setembro
O que falar desse mês, que mal vivi e já considero pakas? Setembro foi O MÊS! Setembro foi um mix de tudo o que eu mais gosto nessa vida: muita dança (e outro sonho bailarinístico realizado: o de dançar com a Banda Mouzayek e o Tony, o cantor árabe mais famoso do Brasil), teve caipirinha de um litro com amigas maravilhosas, teve aulas de ballet me lembrando onde tudo começou (e me ajudando com as piruetas)...
Em setembro vivi a experiência ÍMPAR de assistir a um parto normal. A energia é arrepiante: ver uma mulher, ajudada por outra mulher, fazer o que só mulheres fazem: parir. Os gritos, o suor, a pontinha de descrença. A força. A dor. Realmente, um momento pra lá de visceral. Nada parecido com os vídeos com pétalas de rosa na banheira e música suave no fundo. Tão forte, tão intenso. E eu vi, com esses olhos que a terra há de comer, nascer uma vida, nascer uma mãe e um pai, vi nascer uma família. Inesquecível...
Setembro eu vi Filipe Catto, arrepiando a minha alma artista, com luzes roxas, macacão feminino, franja, discurso inspirador. Setembro troquei de carro e agora ele é vermelho (e não uso espelho pra me pentear) como meu coração.
Setembro fui ao Marrocos! E não importa que o aeroporto seja área internacional! Setembro fui a Portugal, que me apaixonou perdidamente...
Outubro
O mês mais bipolar de todos. Overdose de alegria em Portugal só poderia resultar em melancolia, na abstinência. Chorei lágrimas doídas ouvindo Djavan cantar Oceano, música que ouço, agora, com uma dorzinha amiga no coração. Chorei, com vergonha das pessoas no avião, e com mais vergonha ainda do meu sentimento de infelicidade. Outubro foi mês de chorar. Mês de envelhecer e, pela primeira vez na história, não querer comemorar. Não queria que os dias passassem. Queria ficar em posição fetal, apenas. E aí, no ápice da TPM e do Inferno Astral, o sufoco apertou o coração e as coisas precisaram mudar. Precisei me obrigar a encontrar um caminho e alegria no caminho escolhido. Outubro trouxe com ele o reencontro com a mestra Elis, com muita história pra contar. Trouxe a Aziza em outra festa linda, com direito a foto, meu vídeo preferido do ano e o elogio: 'tá com borogodó', ela falou. Outubro teve Nando Reis, teve Humberto Gessinger. Teve tatuagem nova, marcando mais um momento difícil, mais um ciclo encerrado. Em outubro, me permiti ousar e, toda de onça, dançar com a espada, num momento que fui muito feliz. Ganhei, também, um novo lugar pra ficar, uma nova paisagem para ver e me inspirar todos os dias... Mudanças....
Novembro
Em novembro iniciei um ciclo que chamo carinhosamente de 'fodeu, mas segue o baile'. Sem dinheiro, sem estrutura, sem rotina. Até voltei pra academia pra sentir que alguma coisa estava certa (não durou duas semanas porque, obviamente, não estava funcionando). Comi todos os hambúrgueres, batatas, sushis, tomei todas as cervejas, todos os vinhos, curti todos os memes, apaguei todas as fotos. Não sei até agora o que estava fazendo... Mas novembro foi um mês que passou. Novos amigos, o orgulho de um trabalho bem feito, um show num restaurante novo, a Esmeralda me ensinando a olhar além (e a sair da caixinha com um véu de seda). Novembro teve tanques de gasolina, teve música na caixinha de som.
Dezembro
Eu sei que todos estão falando em encerrar o ano e começar outro ciclo. Nunca vi assim. Desde que Luiz me ensinou a chamar meu próprio aniversário de Natal (o que tem a ver com nascimento), sei que meu ciclo se inicia em 23 de outubro. Estou, portanto, encerrando o segundo mês desse ciclo de grandes novidades, de grandes medos e aventuras e solidão. Dizem que é na solidão que a gente aprende quem se é. Que identifica o que é realmente nosso, o que realmente gostamos, o que realmente é importante, qual é, de fato, nosso ponto de vista. Ainda tenho medo de olhar certas coisas. Algumas palavras ditas tão ferozmente esse ano, ainda me assombram. Várias feridas ainda não cicatrizaram. Mas dezembro, pelo menos na dança, foi dourado. Dezembro foi mês de sonhar, um pouquinho, com uma possibilidade bem longe da mediocridade de alguns. Foi mês de pensar que o mundo é maior e que não adianta fugir pro quintal. Mas se o quintal for a única opção, pare por favor de se lamentar e construa uma piscina!
O que quero dizer com esse texto enorme?
Eu comecei esse texto em busca de ver as coisas boas de 2017 pois estava farta de olhar pra ele e ver apenas o que foi ruim. Estava cansada de estar tão magoada, tão chateada. Queria ver o lado bom. Acontece que não tem lado bom. Assim como não tem lado ruim. A única coisa que é preto e branco nessa vida... é o cinza!! Que não é nem branco nem preto, mas é os dois. Reavaliando meu ano e escrevendo sobre ele, pude ver que as coisas "boas" e as "ruins" estão todas tão totalmente interligadas que não sei se poderiam ter acontecido uma sem a outra. Não vou pregar a necessidade da gratidão nem nada do tipo. A questão é: as coisas acontecem como têm que acontecer. Mesmo as ruins. Mesmo a dor. A gente pede por aprendizado, mas não quer caminhar sobre o fogo. Pede pra saber ser paciente, mas não quer ser tirado do sério. Pede por amor próprio e não quer ser desafiado a escolher por ele. Só está disposto a ser assustadoramente feliz quem está disposto a sofrer assustadoramente. Que no próximo mês desse meu ciclo eu possa enxergar as coisas com as cores que têm, sem querer colocá-las em quadrados ou círculos, na caixa preta ou na caixa branca. Se eu sou uma confusão de cores, como quero que os resultados de mim sejam monocromáticos?
Somos, eu e minhas histórias, furta-cor.
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