terça-feira, 1 de abril de 2014

Todo dia ela faz tudo sempre igual

Todo dia ela faz tudo sempre igual. Se sacode às seis horas da manhã, normalmente põe o celular no modo soneca e enrrola mais dez minutinhos. Aí levanta, vai no banheiro, volta pro quarto, troca de roupas, arruma a bolsa, checa se não está esquecendo de nada. Pega o celular, põe no bolso, vai pra cozinha. Vez ou outra calça o tênis na cozinha. Vai no banheiro, arruma o cabelo, volta pra cozinha. Pega meia caneca, daquelas de louça, de café recém passado, mas põe o adoçante antes do café, pra não ter que mexer com a colher. Escova os dentes, ultimamente deu de passar batom. Sai de casa com o pai e o irmão. Briga com o irmão pelo banco da frente do carro. Liga o rádio mesmo sabendo que é hora do intervalo e só está passando propagandas. Vai para o trabalho. Trabalha. Liga na mesma rádio todos os dias. Pensa nas mesmas pessoas. Sonha os mesmos sonhos. Come as mesmas coisas. Fala com as mesmas pessoas. E tem vontade de fazer tudo diferente.

Um dia, ela resolveu comprar um par de patins. Não, ela não sabe andar de patins, mas comprou mesmo assim (assim como comprou uma saia longa e vai ter que aprender a combinar com blusas).Caiu sete vezes na primeira vez que andou. 

Outro dia, depois desse, foi na aula de tecido acrobático - sim, aquela coisa de circo que as pessoas escalam tecidos presos ao teto e fazem movimentos/manobras/doideras e trabalham a musculatura.

Depois, ainda, se inscreveu num curso online de Ciências Políticas, da USP. Sim, porque de graça até injeção na testa, não é? E viu algumas aulas e foi baixar as bibliografia recomendada. E começou a ler Sartre.

E Sartre diz que somos responsáveis por aquilo que somos. Que não há justificativas, nem desculpas, nem um Deus que define nosso destino, nem mesmo uma natureza humana em que podemos nos apoiar. Somos só nós, fazendo o nosso caminho, as nossas escolhas e nos definindo. E ele diz uma coisa linda: como não existem padrões e - na ausência de um Deus - regras ou definições de certo e errado, só temos a nossa escolha. Temos todo o caminho livre à nossa frente. E podemos escolher o que quisermos. Não existem possibilidades de julgamento, de críticas alheias quando, no fundo, tudo é possível e nada é recriminado. Podemos decidir ir ou ficar. E ninguém pode nos criticar, pois a escolha é nossa. Segundo Sartre, o existencialismo é a vertente mais otimista de todas, pois coloca nas nossas próprias mãos o nosso destino. Não precisamos, assim, nos render ao fado e nem torcer por uma misericórdia divina. Podemos, simplesmente, viver. Fazer nossas escolher e vive-las. 

E eis que ficou pensando se está fazendo dela o que quer. Se está com as rédeas do próprio destino nas mãos. 

E ela anda pensando muito nisso. E decidindo que caminhos tomar. Porque agora ela sabe: pode ir pra onde quiser.



Eu tenho o mundo.

Jaque.

Nenhum comentário: