quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

O (nosso) presidente não lê

Numa terra de cegos, quem tem um olho é rei. Num país de gente sedenta e carente de leitura, é desanimador e melancólico descobrir que o presidente da República, o sujeito mais importante e poderoso do sistema; a figura a quem devemos respeito e lealdade pelo cargo que ocupa; que representa não só um partido ou posição política e econômica, mas - como supremo magistrado da nação - todos nós; o homem numero 1 do país não lê. Mais: em entrevista ao jornalista Mário Sérgio Conti, para a revista "Piauí", ele declara que, quando tenta fazê-lo, tem azia. Ademais, descobrimos que ele fez como o pior presidente que os americanos jamais tiveram, George W. Bush, pois dele veio a cópia de uma estrutura palaciana montada para evitar a leitura. Para um sujeito como eu, que vive para os livros e de livros, e que morreria sem livros; para quem a leitura tem sido um meio de dar sentido à vida e de lidar com o amor, com a perda, com o sucesso, com a raiva, o trabalho e com a morte, saber dessa antipatia à leitura é - digo-o sinceramente e com o coração na mão - chocante, inacreditável, triste, devastador.
Para quem tem na leitura não só uma fonte de informação e sabedoria, mas os motivos para viver, como é o caso dos professores, escritores, educadores, ensaístas, legisladores, pensadores e jornalistas; funcionários e intérpretes das normas legais, cujo trabalho consiste em aplicar regulamentos, decidindo a todo instante o que é correto, descobrir que o presidente não lê é uma bofetada na cara!
Vejam bem, há contradições triviais. O padre pecador, o ateu crédulo, o professor ignorante, o médico hipocondríaco, o economista pobre, o pastor malandro, o jornalista venal, o desembargador corrupto, o policial criminoso e o político sem caráter. Mas todos leem! Todos se informam por meio de amigos e auxiliares, mas não abandonam o contato direto com a fonte: esse foco indispensável ao conhecimento do mundo. Esse mundo feito de representações codificadas, de palavras e algarismos articulados numa determinada intenção e estrutura. Estivesse eu dizendo o que digo por meio de rimas, o efeito seria diferente. É por causa disso que eu não posso me conformar com um presidente que não lê.
O que saiu na revista deve ser um engano. Estou seguro que o presidente lê. Lula estava simplesmente brincando com o entrevistador. Ressentido ou ofendido com alguns jornais e revistas, o presidente usou o manto da ironia e resolveu chocar o estabelecimento jornalístico, dizendo que não lê. Não posso acreditar que o servidor público mais importante do meu país, apreenda o mundo apenas por meio do ouvido. Sendo instruído e informado sobre os eventos e ideias deste nosso mundo conturbado somente por meio de conversas permeadas pelo ponto de vista e emoções dos seus interlocutores. Não posso crer que o presidente se contente em apenas ouvir o canto do galo, sem jamais vê-lo em pessoa. Que ele não tenha nenhum momento a sós consigo mesmo, no qual - com um texto na frente dos olhos - coloque para dentro de seu ser, por meio da leitura solitária e individualizadora, aquilo que o autor da narrativa explicita, revela, ensina, critica, pede, descobre, interpreta, anuncia, reitera, louva, interroga, suspeita, ou condena.
Quando o presidente diz que não lê, ele envia uma poderosa mensagem à sociedade que o elegeu. No fundo, ele diz que o discernimento pode ser alcançado por vias externas. Os laços sociais substituem a experiência da leitura que usualmente vai dos jornais e revistas para os livros. O que impressiona não é apenas o fato de o homem não ler. É o fato de ele estar seguro de que é mesmo possível saber das coisas por tabela e em segunda mão, por meio de olhos alheios. Sem a visão direta, interiorizada, individualizada e subjetiva dos fatos e problemas porque eles podem ser assimilados através dos outros. E que ele não leva a sério a imprensa livre e contraditória que, como ele mesmo admite, foi decisiva na sua eleição.
A leitura vai muito além da informação. Ela mostra que os fatos são sempre inventados, relativos e determinados por perspectivas. Um mesmo "fato" pode produzir pontos de vista diversos, relativos a um mesmo dilema ou questão. Num mundo permeado por contradições, a leitura é um instrumento privilegiado para entendê-las e eventualmente superá-las.
Em estado de choque, penso na lição daquele Machado de Assis que - diga-se logo - não pode deixar de ser lido, quando ensinou que quem conta um conto aumenta (e necessariamente subtrai) um ponto. As versões pessoais, a apreensão marcante, sempre surgem da leitura em primeira mão. Como um sujeito que morreria sem os livros, como uma pessoa cuja profissão é ensinar a ler e que vive de leitores, eu sou obrigado a imaginar que essa entrevista é, no mínimo, um conto; e, no máximo, uma catastrófica notícia.
~~> Pensem numa pessoa incorformada. Confesso que não tinha idade pra votar quando o (nosso) presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito pela primeira vez. Também não tive nada a ver com sua reeleição. Nunca li uma crônica duvidosa se não havia sido eu a autora. Nunca alguem conseguiu expressar meus próprios pensamentos -desconhecidos pelo tal autor- num texto. Nunca me vi tão refletida em algum escrito. Eu que, desde que nasci (se não desde a barriga da minha mãe), ouço, conto e leio histórias, que estou mais do que acostumada a ler cada linha que colocam na minha frente (não ande de carro com a Jaque se você não quiser saber exatamente o que dizem as placas!) e que, como vocês todos sabem, morro de amores por uma bela biclioteca, por mais escura e empoeirada que ela seja... Simplesmente não posso (NÃO POSSO, GENTE!) me conformar com o fato de que o povo elegeu um homem (e lhe deu todo o poder para controlar e administrar nosso país) que sequer tem o hábito da leitura, que é SIM um dos mais importantes pr'uma pessoa que possui um cargo alto e de suma relevância.
É simplesmente... decepcionante. Não simplesmente pelo descaso dele com tal atividade, como se não valesse de nada, mas também da galera que votou nele e que o colocam num pedestal por umas bolsas família distribuidas por aí.
* Texto de Roberto DaMatta (foto 1) e Lula (foto 2), com a cara mais próxima do descaso que ele demonstra pelo ma-ra-vi-lho-so e indispensável hábito da leitura.
Beeijoos, Jaqueline.

5 comentários:

Eline Emanoeli disse...

Pensem numa pessoa inconformada. Agora pensem numa pessoa inconformada¹²³, indignada, chocada.
É simplesmente deprimente saber de uma coisa dessas.

*Estou em recuperação ainda.*

O pior de tudo: essen cara foi REELEITO! Tsc tsc tsc.
Falar o que diante de uma situação dessas?

*Chocada*

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

hahhaaha!!
...chega a ser engraçado.....pra naum dizer ridículo..com todo o respeito...o motivo dessa discussão...
vamos a alguns importantes pontos..

É absurdo o tempo e a audiêcia que damos a coisas sem importância, o tempo precioso que perdemos pra descutir e refletir, sobre o fato de o presidente lêr ou não. Enquanto nos preocupamos com isso, a crise mundial come solto, o governo anuncia um pacotão de medidas para salvar ( com o nosso dinheiro) empresas - principalmente as montadoras - falidas, o IPVA sofre reajuste, o dolar sobe, o juros aumentam, novo caso de corrupção, apropriação de dinheiro público acontece, e contra isso, nada fazemos. Não gastamos míseros segundos para nos informar, que dirá pensarmos em soluções, revoltarmo-nos ou protestar.
Ninguém consegue perceber que isso num passa de uma jogada, fantástica, de marketing, jogo político, nada mais. Enquanto os estudiosos, aqueles que têm sabedoria e capacidade para cobrar de nossas autoridades, discutem se o presidente Lê ou naum, mandatários roubam, apropriam-se do que nos pertencem, e nada fazemos. Já para aqueles sem estudo, que pouco lêem, é apenas mais uma oportunidade de seguir o exemplo de seu líder, de sua autoridade máxima, o presidente da república, e continuar a não ler, continuar desinformado, e elegendo
políticos corruptos e descapacitados. É mais uma idéia plantada na mente dos brasileiros desinformados - "se o presidente que é autoridade máxima não Lê, porque eu tenho que ler? - É assim que mantemos a anarquia, sustentamos o crime organizado e levamos o país ao caos. Damos demasia atenção a assuntos bôbos e sem importância.
Todos sabemos que o presidente Lê, todos sabemos que ele é, e tem que ser, bem informado.
Já disse e repito, tudo isso num passa de um jogo político onde todos cairam.
Só para constatar, não defendo o senhor Luis Inácio Lula da Silva, muito pelo contrário, sou crítico ferrenho.
Tudo isso foi muito bem pensado, muito bem planejado, até porque não foi bem essa frase que o presidente proferiu. O que também não justifica.

.....concluindo....
de quanquer forma adorei o seu texto.....a estrutura, o desenvolvimento, mas o tema como pode perceber me revoltou. Espero que não continuemos a dar atenção a coisas fúteis e façamos o que se deve para que nossa nação possa crescer.

Viviane Sato disse...

Oi Jaqueline, tudo bom?
Já vi que esse post causou polêmica...a ver!
bjo
Vivi
* Se precisar de dicas ou quiser tirar dúvidas sobre jornalismo, pode me perguntar.