terça-feira, 8 de março de 2016

Desconstrução

Oito de março de 2012. Quatro anos atrás: as (as vezes) malditas lembranças do facebook me mostraram o que publiquei nesse fatídico Dia Internacional da Mulher.

Coisas como:


Olhei isso e, francamente, não ri. Na verdade me questionei por que teria publicado uma babaquice dessas. 

Quando vi esse quadrinho hoje, vi meu processo de desconstrução. Vi que "se revoltar com o corpitcho que não é mais o mesmo", "se matar na academia", "sair do sol pra não dar rugas" e "sair com a cabeça doendo do salão" tem a ver com não se encaixar no padrão de beleza imposto pela mídia/sociedade e a não aceitação de quem se é realmente. O que leva mulheres a se odiarem, a desejarem o suicídio, a não serem felizes. A mentirem pra si mesmas. A estarem com pessoas que reforçam esses sentimentos. A odiarem outras mulheres. A fomentarem a competição.

Vi que "trabalhar fora e ainda conseguir cuidar da casa e dos filhos (e do marido e dos pais doentes e do cachorro e das plantas e da decoração do apartamento e de manter o armário abastecido)" é a reafirmação da ideia de que a mulher conquistou o mercado de trabalho, mas que todo o resto continua sendo "coisa de mulher": lavar a louça, a roupa, fazer o almoço, limpar a casa, trocar fralda. Mas as obrigações não param aí, não é mesmo? Tem que estar em dia física, estética e emocionalmente. Ser carinhosa, atenciosa, delicada, sensual. Vi o quanto publicações como essas, inocentes, reforçam conceitos de mulher pra casar. Mulher pra não casar. Coisas de mulher e coisas de homem. 

Sabe essa mocinha toda vermelha gritando de raiva por uma briga no telefone? Pode ser eu, pode ser você - tendo simples acessos de fúria - e pode ser aquela amiga que na verdade está sendo incentivada a acreditar que é maluca. Isso chama *gaslighting* e é um tipo muito sério de assédio, em que a mulher é levada ao descrédito (você é louca, sua neurótica, exagerada).

Sabe se arrumar cuidadosamente pro amado? Então, faço isso sempre. Todas fazem. E devem fazer. Os amados também. Adoro quando o meu se arruma pra sair comigo. Mas façamos isso com algumas coisinhas bem esclarecidas na cabecinha: quem tem que te amar, te achar bonita, sensual e bem arrumada é você. Não outra pessoa. Amor próprio é um processo de construção e desconstrução. O mundo vende muito mais quando a gente se odeia: de cosméticos a antidepressivos. Acha que vão incentivar o amor e a aceitação? É difícil, eu sei. Mas precisamos ter forças e construir esse amor dia após dia pra, um dia, ele ser firme, consistente, real.

Tudo isso pra dizer que, em quatro anos, eu mudei. 
Hoje, eu leio. Eu estudo. Sobre estupro. Sobre direitos humanos. Sobre violência obstétrica. Sobre humanização. Sobre revenge porn. Sobre racismo. Sobre amor próprio. Sobre negras assumirem seus cabelos. Sobre violência doméstica. Leio relatos. Ouço mulheres. Participo de grupos. Hoje, antes de julgar, pondero. Antes de apontar o dedo eu penso "e se fosse comigo?", antes de compartilhar algo ou de rir de alguma coisa eu penso em quem está sendo humilhado. 

Sabe o que quero de dia da mulher? Quero sororidade. Sim. Quero pagar o mesmo que um cara pra entrar na balada (porque hoje eu entendo o que isso significa). Quero partos respeitosos. Quero me sentir segura. Quero que outras mulheres se sintam seguras. Quero que a sexualidade seja respeitada. Quero que a louça seja responsabilidade de quem sujar. Quero que quem ganhe mais pague a conta. E se ganharem igualmente, que dividam. Até a do motel. Quero que parem de dizer que conseguimos um aumento ou promoção por sermos bonitas, mostrarmos os peitos ou dormirmos com os chefes. Quero que parem de nos dizer o que vestir. Quero que as marcas parem de usar nossos corpos para vender. Quero que cervejas, videogames e carros de corrida sejam vendidos pra mim nas propagandas - e fica a dica: eu não compro cerveja por causa dos peitos da Verão tá? Quero ser ouvida na reunião de trabalho. Sem ser interrompida e sem que um homem leve os créditos pelas minhas ideias. Quero poder ser mãe (ou não ser) sem que desmereçam minha escolha. Quero poder ter poder. Sobre meu corpo. Minhas escolhas. Minha vida. Meu tempo. 

Quero que o mundo fique cada vez mais chato. Que cada vez mais coisas importantes virem pauta, ganhem os TT no twitter. Que vejamos mais "Minas na História", "Beyoncé Feminista" e "Empodere Duas Mulheres" e menos "Mais uma mulher morta"*. 

Que mais TEDx chamem mulheres. Que mais veículos façam o que o Youtube está fazendo (dando espaço e voz a mulheres empoderadas para que empoderem ainda mais mulheres). 






Amém.





*não literalmente, porque a página é maravilhosa, mas que ela tenha menos conteúdo pra divulgar, isso sim seria um sonho.

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