Para Fernando Pessoa, escrever é esquecer. "A literatura é uma das formas mais agradáveis de ignorar a vida", escreveu. Eu no entanto, sempre vi a escrita como uma forma de lembrar das coisas. E, ainda, de enxergar detalhes que não tinha visto quando comecei o texto. Não é à toa que meu blog, que me acompanha há mais de uma década, se chama Amnésia.
Quando fomos gravar esse documentário, me perguntaram como a escrita tinha entrado na minha vida. Acho que ela sempre esteve por lá, mas tenho memórias muito fortes de quando tinha 10 anos: eu queria entrar pra Academia de Letras e pro Jornal do colégio em que eu estudava, mas isso só era permitido aos estudantes com mais de 11 anos. Nesse meio tempo, eu e minha amiga Ana Luiza Savioli - que sempre foi uma escritora e que hoje tem dois livros publicados - escrevíamos nossas histórias em cadernos durante os recreios. Ana foi a minha primeira referencia de alguem talentosa, com foco no que queria fazer, e tão jovem quanto eu. Outra pessoa que não consigo não citar hoje é minha professora de Lingua Portuguesa, Lucimar de Matos, já falecida, que incentivava a escritade um jeito tão leve que nem parecia ser lição de casa. Lembro que foi numa aula dela, na sexta-série, que escrevi um poema tão ruim que, numa risada, decidi que só escreveria prosa.
Quando entrei pro jornal da escola, aos 11 anos, entendi na minha cabeça de criança que queria fazer Jornalismo. Escrever, contar histórias... Seis anos depois, lá estava eu no curso de Jornalismo, cercada das pessoas mais diferentes possíveis, de todas as tribos: galera de cinema, fotografia, publicidade, design...
Mas não estou aqui pra falar de mim. Como diz meu colega André, o artista não deve aparecer mais que a própria obra. Quis contar essa parte da história por um motivo. Porque, de alguma maneira, sempre duvidei que o que escrevia poderia compor um livro. Afinal, como é que sabemos que nosso texto deixou de ser apenas um texto e virou arte?
Fui me descobrir artista há pouquíssimo tempo e graças não à escrita, mas à dança. Foi preciso muita terapia pra me referir a mim com esse título. A gente sempre pensa em arte como aquelas coisas que estão nas paredes e corredores dos museus e em artistas como aquelas grandes personalidades. É difícil enxergar arte na nossa mãe com seu caderno de desenhos. Na criança que aprende um instrumento e ainda é meio desafinada. Na pessoa que quer aprender a dançar depois de adulta. No senhor que transforma montes de plantas em belos jardins.
E eu tinha essa mesma dificuldade. Volto a pergunta: quando um texto deixa de ser apenas um apanhado de caracteres e vira arte? Quando uma dança deixa de ser apenas uma sequencia de movimentos e passa a ser arte? Pra mim, bons textos são os que fazem pensar e boas danças as que fazem sentir. Não importa muito o gostar ou não gostar. A mim, importa que ao final da dança ou do livro você esteja um pouquinho diferente de como começou. Que algo te faça sorrir ou franzir as sobrancelhas.
No mais, fica aqui meu agradecimento a cada artista que contribuiu para que esse livro saísse. Ontem, as cinco e meia da tarde, quando recebi as caixas, achei que ia finalmente ter certeza de que tudo daria certo. Mas só me dei conta de que sempre tive essa certeza.
Sabe aquela frase clichê que diz que um sonho que se sonha junto é realidade? Pois então. Não é. Apenas os sonhos construídos juntos é que se tornam realidade. Podemos ficar aqui falando sobre mil formas mirabolantes da arte mudar o mundo, salvar o Brasil da Idade Média ou emancipar os nossos pensamentos e emoções. Mas apenas pondo a mão na massa e fazendo as pequenas ações, é que teremos contribuído com algo.
E se você está aí pensando "ok, mas eu não sou artista". A minha resposta é: talvez você, como eu um ano atrás, apenas não tenha se dado conta. Antes de uma criança escrever, ela desenha; antes dela andar, ela já dança; antes de falar, ela canta. A arte nasce com a gente. Cabe a nós dar a ela a chance de continuar respirando.
Obrigada.
segunda-feira, 15 de julho de 2019
quinta-feira, 4 de julho de 2019
metade
porque metade de mim é o que penso
e a outra metade é um vulcão
(O. Montenegro)
Notem: metade desse triste ano (acabei de ler uma matéria de política, desculpem...) passou. Sobrevivemos ao primeiro semestre do governo Bolsonaro (sim, sim, à duras penas, mas sobrevivemos) e hoje o dia começou inspirado pelo mais belo sotaque do mundo: o português.
Ao som de Tiago Nacaratto, Ana Bacalhau, Antonio Azambujo e outros portugueses, cáixtôu refletindo sobre esse primeiro semestre. Longe de querer fazer um texto com tom natalino, penso, penso e não escrevo. Mas quem disse que só em dezembro é que podemos fazer análises e retrospectivas?! Enfim, ainda assim, não é o que quero.
Só queria registrar - aqui, pra mim: dois mil e dezenove está sendo, como previsto e desejado em janeiro, um ano de colheitas! Plantei tanto e muito e agora fico cada dia feliz por uma colheita nova, uma nova flor ou mesmo os pequenos brotinhos que vão surgindo - figuradamente e também os literais da bela samambaia que agora adorna o meu banheiro.
Eu tenho vivido momentos de imensa gratidão e felicidade. Olho pro Guilherme penteando o cabelo de manhã para ir trabalhar e sinto felicidade. Penso: "que sorte a minha! Como eu te amo! Olha que lindo, aff Maria!" . Olho pra minha samambaia toda prosa, com as folhinhas felizes pra cima e sinto felicidade. Penso: "ai que linda, toda verdinha, toda feliz, toma uma aguinha fresquinha pra você, que lindeza!". Vou pra sala, sento no sofá azul e sou grata pelo conforto. Olho pro lado e penso "ai como eu amo essa parede cinza!". Olho pro outro: "vou amar quando essa for azul...!". As vezes, mesmo meio mal humorada, lavando a louça n'água gelada, penso "eu amo essa panela". Olho o gato que acabou de mijar no tapete e pra outra que comeu a ração golfada e penso "eu amo esses pestinhas".
Amor. Volto a citar Osho:"Tudo o que lhe der paz, tudo o que o deixar em estado de graça, tudo o que lhe der serenidade, tudo o que o aproximar da existência e de sua imensa harmonia, é amor e será bom."
Eu batalhei muito pra ter o meu apartamento. Minha casa. Meu lar. E mais ainda: batalhei pra ter essa paz no coração. Pra me sentir confortável. Essa serenidade de saber que pode vir o B.O. que for que eu dou um jeito, nem que o jeito seja fingir demência pra não gastar o réu primário. Batalhei pra ouvir uma mentira sobre mim e, minutos depois, conseguir dizer "ok, se é o que você acha, paciência!", tranquila por não ocupar um lugar que não é meu.
Claro que eu ainda não virei orquídea, existindo em perfeita harmonia. Eu também tenho dor nas costas, garganta inflamada, medo. Mas olhando com honestidade, eu vejo que tenho muito mais força e potência do que fraquezas. Muito mais jogo de cintura que rigidez. Muito mais borogodó que medo de ser feliz.
Esse semestre foi uma loucura de lindo. Esse trimestre então, nem se fale! O combo casa-marido-gatos é muito melhor do que eu pensava! Só consigo sentir gratidão, mesmo quando ela está toda bagunçada e faltam móveis rss
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