Provavelmente será publicado em O Arauto, jornal da faculdade.
Em 1962, pouco antes do regime militar, colégios brasileiros sofreram alterações em suas grades curriculares e os estudantes que cursavam a 4ª série do ginásio, que hoje corresponderia ao 9º ano (8ª série), passaram a ter aulas de Organização Política e Social do Brasil (OSPB). A disciplina, proposta pelo Conselho Federal de Educação (CFE) e idealizada pelo educador Anísio Teixeira, visava superar uma falha na educação, que não atentava aos valores cívicos nem preparava os jovens para exercerem suas obrigações como cidadãos, e suprir as exigências da Lei de Diretrizes e Bases para a Educação (LDB), de 1961, segundo a qual os alunos deveriam ter, além das disciplinas convencionais, as obrigatórias complementares (OSPB, línguas estrangeiras, desenho) e as optativas (música, artes industriais, técnicas comerciais, técnicas agrícolas).
Depois, já durante a ditadura, foi instituída a disciplina Educação Moral e Cívica (EMC). A matéria, obrigatória a partir de 1969 em todos os sistemas de ensino do país para alunos da 2ª série do ginásio (6ª série ou 7º ano atuais), visava doutrinar ideologicamente as crianças de acordo com os interesses dos ditadores, que disfarçavam essa intenção utilizando o mesmo discurso de OSPB a respeito da necessidade de se fortalecer a unidade nacional e o sentimento patriótico. “Era uma forma dos governos militares doutrinarem e ensinarem história política, mais ou menos como os governos nazista e fascista faziam na Alemanha de Hitler e na Itália de Mussolini, sem esquecer a Espanha de Franco...”, conta Renato Violardi, 40, administrador de empresas e vice-presidente do diretório do PSB em Cabreúva.
O ensino do exercício cívico e patriótico dos militares não se limitava às salas de aula: todos os artifícios eram válidos para influenciar os brasileiros, jovens ou não. Na imprensa escrita e falada, por exemplo, eram disseminadas propagandas que enalteciam a potência industrial do Brasil e alertavam a população quanto ao seu dever de contribuir com o desenvolvimento da nação – a Rede Globo, por exemplo, exibia nas manhãs de domingo o programa do ex-militar Amaral Neto, que mostrava as belezas do Brasil, como o rio Amazonas, exalando patriotismo. Essa contribuição abrangia desde participar de desfiles e cumprir as determinações do governo até denunciar pessoas envolvidas em atividades questionáveis e respeitar as autoridades militares. Nas escolas, era obrigatório o hasteamento da bandeira do Brasil às segundas-feiras e seu arriamento às sextas-feiras, no pátio, onde o hino era entoado. Hastear a bandeira era considerado uma honra e só os melhores alunos tinham esse privilégio.
No entanto, apesar da doutrina ditatorial imposta através de OSPB e EMC, as aulas contribuíram com a conscientização e politização dos brasileiros, despertando neles o interesse em participar da vida pública. “Tive essas aulas e, acredite, ajudou muitas pessoas a se politizarem. Para o bem ou para o mal, mas ajudou”, conta Renato.
O Brasil, depois de tanto lutar pelo fim da ditadura e pela redemocratização, sofre de um mal estranhamente contraditório: o desinteresse político. Em relação a 2006 houve uma queda de 7% entre os eleitores de 16 e 17 anos, que não são constitucionalmente obrigados a votar. Muitos não querem tirar seus títulos de eleitor e afirmam não gostar de política. Talvez a solução para esse problema, que faz com que maus políticos sejam eleitos, seja adaptar o estudo das ciências políticas da grade de 1969 para os dias atuais e retirar dessas aulas a parcialidade.
“Acredito que o estudo político, tenha o nome que tiver, deveria fazer parte do aprendizado do que é ser cidadão. Quando não se investe em conhecimento e educação, criamos uma ditadura que domina a informação e a formação intelectual. Sem conhecimento e formação de opiniões, cerceamos a formação da dúvida, que é o grande trunfo da democracia.”, explica Renato. “No entanto, dependendo de quem está no poder, o ensino será sempre diferente. O governo atual, por exemplo, satanizaria a política anterior e evidenciaria a política atual. O ensino político exige seriedade, mas quem está no poder sempre se beneficiaria”, lamenta.
O Senador Acir Gurgacz (PDT-RO) defendeu no Plenário, em meados de 2010, a volta de OSPB às grades curriculares: “eles estão mais preparados para atuar dentro de nossa sociedade organizada e mais aptos a interceder na coletividade com uma postura mais crítica e consciente”, disse, referindo-se aos alunos do Colégio Diocesano Seridoense, localizado no Rio Grande do Norte, que ainda têm aulas de OSPB e EMC.
Felipe Neto, jovem famoso por seus vídeos satíricos e críticos, opina em uma das suas filmagens, sobre políticos, da série Não Faz Sentido: “Se você tivesse matérias na escola que incentivassem a realmente pesquisar sobre o assunto, talvez tivessem muitos jovens por aí defendendo valores, fazendo revoltas”. Ele diz, inclusive, que os cidadãos só se tornaram completamente alheios à política porque, durante anos, foram condicionados a isso.
“Somente a educação muda o Brasil”, sentencia Felipe. “Então larga o Ipod por quinze minutos do seu dia e vai estudar um pouco, vai buscar saber o que é a Constituição Brasileira, o que é democracia... E quem sabe se a gente criar uma conscientização de revolta geral a gente talvez consiga mudar isso daqui a uma ou duas gerações”, recomenda enfaticamente, cobrindo seus espectadores de palavrões.
É claro que, para essas aulas voltarem às grades curriculares, seria absolutamente necessário reformulá-las, reformatá-las, de maneira que não se prendessem às ideologias dos que estiverem no poder e, no entanto, educassem, pois sua verdadeira missão, no nosso regime democrático, deverá ser a formação de cidadãos que olham o mundo pensando nele - pois educação é o caminho rumo ao destino digno que os brasileiros obviamente merecem.
Beeijos, Jaqueline.